Capítulo 9 - O Mortis

Eles acompanharam o diretor até passarem da Região Central para a Ala Italiana do colégio, sem trocar nenhuma palavra devido à perplexidade dos garotos. De todas as cinco áreas do imenso colégio a Italiana era certamente a mais bonita, lar das ciências relacionadas ao estudo, manipulação e compreensão da mente. Logo após o arco que delimitava a mudança de região estava a estátua imponente da matriarca do estilo, a dona do nome Fiorentini.

A quantidade de ouro usada na estátua em tamanho real estremeceu Caliel, pois ressaltava o olhar frio da bela mulher, de visão direta e aguçada, como se ainda pudesse ler a mente das pessoas que passavam por ali. O rio Vincci cortava toda a região, sendo possível transitar somente por ele ajudando a deixar a área ainda mais semelhante com a cidade de Veneza.

As águas translúcidas do rio tremeluziam de acordo com que o sol batia e era refletido, podendo dizer que um rio de prata líquida habitava aquele lugar. Era tudo muito harmônico e tranqüilo, assim como a gôndola de cedro que vinha deslizando na direção dos garotos.

Eles desceram a escada e entraram no barco assim como Helenus, que se sentou no banco de trás para guiar o veículo suave. O lento movimento permitia que os garotos apreciassem todos os detalhes das edificações de tijolos, o que facilitou a percepção de uma singularidade interessante.

_Nenhuma das casas tem janelas? – Refletiu em voz alta Hermes

_ Casas? – Disse Helenus com um sorriso no rosto – Nós estamos em uma parte dessa região onde ficam os laboratórios de pesquisa, em sua maioria os gases emitidos são nocivos à vida, por isso a ventilação desses prédios é subterrânea.

_ E onde estamos indo Senhor Helenus? – Inferiu Caliel

_ Eu já não disse que estamos indo fazer o teste de vocês?

_ Sim, mas afinal, qual o sentido desse teste? Não podemos ir direto para as aulas legais?

_ Até poderíamos, mas vocês precisam ser examinados para saber justamente para quais aulas vocês serão designados – Nesse momento a gôndola parou rouca ao lado de um edifício o qual tinha a fachada completamente revestida por tijolos cinza, dando ao galpão uma atmosfera pesada. Eles desceram e entraram apreensivos, passando por um ambiente à meia luz com a decoração nada agradável de experiências inacabadas.

Órgãos humanos flutuavam no líquido fétido e viscoso dentro de tubos suspensos no ar. Seguiram Helenus até o fim do corredor, onde o ambiente se afunilava em direção à um salão bem alto, iluminado somente por um pequeno vitral, que projetava estalactites multicoloridas no chão à medida que o sol se refratava através de seu comprimento.

Estava vazio, com exceção de uma cadeira simples e metálica, vazia. Os garotos estavam apreensivos e não sabiam o que esperar de Helenus, que vinha atrás deles, ele os tranqüilizou com um movimento das mãos e solicitou que Hermes se assentasse.

_ Este é o salão de diagnóstico, todos os alunos passam aqui para receberem o encaminhamento apropriado. – Hermes sentou apreensivo na cadeira sem saber o que esperar do tal teste – Pronto para começar? – Hermes assentiu com a cabeça.

Com um estalo de dedos um arco de pura eletricidade no chão circulando a cadeira, fios dessa mesma eletricidade subiram pela cadeira e se anexaram à pontos vitais. Testa, coluna cervical, coração, ponta das mãos, abdômen eram os locais com fios pulsantes mais intensos. Mesmo com toda aquela eletricidade Hermes não parecia sentir nada, de repente aquilo tudo se estabilizou e os espasmos elétricos cessaram mudando a sua cor azul celeste para um vermelho carmesim.

Um painel de mármore negro foi golpeado pelo fluxo de energia proveniente de Hermes, talhando várias informações, ornadas pelo símbolo de um círculo com um pentágono inscrito. Em cada vértice do pentágono havia um círculo vazio, Helenus devia ver algo diferente de Caliel, pois definitivamente ficou impressionado com aquilo, Caliel não fazia idéia do que aquilo pudesse significar por isso voltou toda sua atenção para Helenus quando ele disse: Set, fazendo a eletricidade se intensificar instantaneamente girando as órbitas dos olhos de Hermes, deixando-os totalmente brancos. O painel começou a traçar linhas partindo dos vértices do pentágono de modo a formar um triângulo de cabeça para baixo, também foram preenchidas três dos cinco vértices, antes vazios, posteriormente surgiram letras gregas ao lado de cada vértice preenchido. β, Δ, α, nessa ordem estavam presentes no painel negro, Helenus coçou o queixo intrigado.

_ Interessante... Agora só falta um toque digno de um nobre – Com um movimento da mão toda a figura brilhou em uníssono e a ponta do triângulo se fechou em um triângulo menor com a letra π em seu interior. – Parabéns você já tem seu passaporte, posso fixá-lo?

Hermes se conteve a assentir com a cabeça, parecia estar ciente de tudo que se passava naquela situação, como se tivesse sido minuciosamente instruído. Batendo as mãos Helenus pronunciou em tom totalmente audível:

_ Technische Wasserzeichen - Passport Mutable – Os impulsos antes Carmesins assumiram uma tonalidade cor de Jade, e tudo aquilo se focalizou no braço direito estendido do pequeno nobre formando um tipo de tubo cilíndrico, que permaneceu estático por alguns minutos, sendo depois condensado e totalmente consumido pela nova tatuagem localizada na parte interna do antebraço jovem do garoto. As órbitas oculares antes viradas se normalizaram e tudo voltou exatamente ao normal, salvo o novo ornamento do corpo de Hermes. Ele saltou da cadeira e olhou o amigo com um brilho nos olhos.

_ Com apenas 17 anos eu sou um pentágono Caliel, em três anos já vou alcançar o nível de Heptágono, ou seja, se eu me esforçar já poderei me formar com apenas 20 anos – Os olhos de Hermes buscavam claramente algum tipo de aprovação.

_Que ótimo! – Reagiu Caliel instintivamente, desejando não desapontar o bom amigo.

_ Agora é sua vez, garoto dos Pulsos. – Interrompeu Helenus para o alívio de Caliel que ate ignorara o modo preconceituoso o qual foi chamado pelo diretor. Ele nem pensou, rapidamente sentou-se, como quem brinca de jogo das cadeiras.

Só depois que já estava sentado Caliel percebeu que não queria fazer aquilo, afinal, qual farsante quer ser açoitado por raios que podem revelar sua verdadeira identidade. Mas era tarde demais, Helenus estalou os dedos e o arco de eletricidade surgiu novamente circulando a cadeira, assim como foi com Hermes, Caliel sentiu um leve formigamento quando os impulsos se ligaram aos seus pontos vitais. Helenus iniciou a segunda fase do processo, no entanto, assim que ele disse Set o arco circulou Caliel, de modo análogo ao que ocorreu com Hermes. No entanto, diferente do amigo de cabelos dourados, Caliel teve suas órbitas tomadas por um preto tão escuro quanto os confins mais longínquos do universo.

O silêncio tomou o salão por alguns minutos, Caliel assumiu uma caracterização sombria e misteriosa, bem diferente do ex-mendigo assustado que entrou no vagão prateado. Hermes tinha medo daquilo tudo, nunca tinha ouvido falar sobre aquela manifestação em um teste de Bongor, mas foi tranqüilizado pela face obviamente intrigada de Helenus que parecia se preocupar com algo muito mais importante que as órbitas de Caliel, era quase um sentimento de admiração que emanava do olhar do diretor. Mas o silêncio logo acabou, quando uma energia inigualável irrompeu o salão de canto a canto, e diferente de Hermes o símbolo de Caliel surgiu um pouco abaixo de seu peito, em seu abdômen, e se tratava de um simples círculo com algumas irregularidades, como se fossem “folhas” provenientes da imagem principal.

A energia podia ser sentida de onde Hermes estava, ela pulsava do peito de Caliel, que via a negritude dos seus olhos preencher todo seu pescoço e se dirigir até sua nova marca. O herdeiro da família dos portais estava atordoado, e não conseguia se mover sequer sua mandíbula para clamar pelo amigo, mas a falta de intervenção do diretor, que simplesmente assistiu aquilo tudo com um ceticismo louvável só intrigava o garoto dos cabelos dourados mais ainda, que decidiu, por motivo de força maior, simplesmente assistir o amigo, agora agonizante, devido ao preenchimento da marca com aquela energia estranha.

Arrisco dizer que se o momento não estivesse regado a gritos de dor de Caliel seria até bonito ver os impulsos estocando contra a pele do garoto e saindo como se fossem espalhados pela sua pele. Finalmente o último raio se alocou no lado esquerdo do peito de Caliel, completando a última folha. Os gritos se cessaram com a exaustão clara do menino que estava catatônico pelo que acontecera, imaginava consigo mesmo se aquilo tudo era um tipo de punição para quem ousava aproveitar uma oportunidade de se passar como um nobre, mas não, ele estava marcado assim como seu legítimo novo amigo.

Caliel não parou de tocar seu peito até construir a imagem mental do símbolo, o silêncio imperava no local, que se tornou muito mais sombrio desde o momento que chegaram. Helenus quebrou o clima dizendo com a voz audível e curiosa:

_ Interessante... – disse ele coçando o queixo. – Eu nunca vi um passaporte desses em lugar nenhum... O formato é completamente circular, não sei o que pode significar, mais se tomarmos como base a teoria dos vértices, como o círculo não possui nenhum, creio que signifique que o seu poder é ilimitado. – Para ser sincero, até mesmo eu achei que o poder de Caliel era algo singular, a primeira vista, no entanto esse fascínio estava fadado a acabar.

Uma sombra irrompeu da escuridão adjacente do local, com a altura aproximada de 2 metros de altura foi em direção aos três que se encontravam no centro do salão. O feixe de ar proveniente do deslocamento do corpo sibilava muito alto, demonstrando a velocidade insana daquela coisa.

Helenus se deslocou tão rápido quanto aquele borrão, abrindo os braços e protegendo os garotos. Tal ação repentina fez o borrão mudar de direção e seguir em direção à pedra de mármore. Com a iluminação cada vez mais presente, foi possível perceber que se tratava de um tipo de felino gigante, que golpeou rapidamente o bloco, fazendo uma energia negra pulsar e golpear o passaporte de Caliel.

O peito do garoto baqueou em uníssono com o grito do mesmo, levando-o ao chão, sentindo uma dor inimaginável. Helenus se deparava lado a lado com um felino, agora em posição defensiva com presas roxas e o corpo negro oscilante como fumaça.

_ Felinus Mortis. – Refletiu Helenus em voz alta, levando Hermes a esbugalhar os olhos imediatamente. – Animais formados de fumaça opaca e energia concentrada, uma obra-prima da bioespeccialia, somente especialistas de alto nível, como heptágonos podem invocar tal aberração. – Continuou o diretor, abrindo as palmas das mãos, direcionadas para o chão.

_ Technik des Exorzismus - Spectral Schwerter destruktiven Katze – pronunciou o diretor, fazendo selos circulares se formarem no chão, fechando um complexo emaranhado de ligações, acima de sua cabeça cinco círculos vazios se formaram, e com o movimento frenético dos dedos das mãos ele entrelaçava todas as linhas de modo a formar um selo mais complexo que o presente a seus pés. Ele posicionou esse selo na palma da mão direita e golpeou o chão, desbloqueando a técnica, fazendo duas espadas de energia anil pulsante surgirem do local.

O Mortis não hesitou em aproveitar a situação para atacar o flanco direito de Caliel que berrava de dor, mas antes que a aparição fizesse dano ao garoto, foi envolta em selos que se modificaram rapidamente em correias prendendo o animal na vertical em uma cruz de ferro. Este era o final da técnica de exorcismo usada pelo diretor, que uniu as duas lâminas e esquartejou o animal impiedosamente. Hermes fechou os olhos com tal brutalidade, e guardou sua ânsia de vômito para ajudar o amigo estendido no chão.

Ao chegar perto de Caliel, só podia ver o frágil amigo desmaiado, porém vivo... No entanto, seu passaporte antes incrível, se tornou apenas uma série de borrões, reflexo da quebra do mármore de transferência ainda conectado aos pontos do garoto. Caliel tinha no peito uma marca pouco vista, mas muito conhecida, a marca do impuro.

Capítulo 8 – O Projétil Prateado


Sua cabeça rodava constantemente, era a mesma sensação que ele sentiu quando passou pela Janela de Gondolous. Ele arfava, por isso demorou a reparar à sua volta, mas logo após se tranqüilizar, olhou para os lados, e tudo se resumia a dunas de areia fina, com o Sol a pino acima deles. Virou-se para trás e viu um tipo de arco feito de pedra, com nenhum preenchimento, ele se levantou com dificuldade e foi até ele, olhou para fora e se impressionou ao perceber que estavam milhares de metros acima do chão. A areia caia como uma cachoeira branca e fina, ao longo de todo o horizonte, ele não conseguia ver o que havia lá em baixo devido às nuvens que tampavam sua visão. Ele voltou correndo ao encontro de Jacques e Hermes que se encontravam cerca de 10 metros a frente.
Eles observavam alguma coisa no chão, Caliel se aproximou sorrateiramente, mas mesmo assim Hermes o percebeu:
_ Bro! Você demorou, achei que tivesse se perdido, ou caído na cachoeira. Mesmo assim parece que temos companhia, então vamos agilizar?
_ Mas não tem ninguém em nenhuma das direções...
_ O que está em cima da areia não nos preocupa... – Disse Jacques, se levantando e tirando uma esfera de metal do bolso. – Vamos ter que usar o método ilegal para cortar o deserto, a pé seremos alvos fáceis. – Então Jacques se aproximou de um monte de areia, com os pés tirou o excesso, revelando um tipo de trilho. Caliel se espantou, como será que ele tinha adivinhado que estaria ali, e antes que tivesse tempo de demonstrar surpresa, Jacques jogou a bola nos trilhos e, assim como Illik e Roy, disse:
_ Technique de Vestibule – Invoquer La Balle d'argent – Revelando um longo e compacto trem bala prateado, com detalhes incríveis, e incrivelmente sólidos, como se tivesse sido feito da mesma peça de metal, sem nenhuma dobra ou solda, nem as portas ou janelas podiam ser observadas. Jacques moveu a sua mão direita, com dois dedos em riste, como se empurrasse algo para a direita, e Caliel pôde observar a abertura de uma porta retangular, revelando um interior luxuoso. Os três entraram, e Jacques sentou-se no banco da frente, colocando a mão sobre um painel escuro, ligando todo o interior do veículo. Uma série de controles por meio de hologramas apareceu na cabine, de modo que Jacques se encontrava com um tipo de capacete, e duas manoplas de holograma em volta de suas mãos.
Com um movimento usando ambos os braços o veículo começou o movimento, assumindo uma velocidade incrível, o que faria Caliel se estatelar contra a porta, no entanto Hermes o segurou, e já tratou de levá-lo para o outro vagão, pois sabia que quando seu pai não falava nada daquele modo ele não queria companhia. Chegando ao outro vagão Hermes se assentou pondo as pernas para cima, Cal se sentou no outro banco de couro marrom. O vagão lembrava um trem antigo, com mesas de bilhar e bares, seria comparado a um avião particular atual, e como havia monitores, Caliel não estranhou quando Hermes pegou o controle e ligou a TV perguntando a Cal:
_ Russas ou Asiáticas?
_ Como?
_ Você prefere Russas ou Asiáticas?
_ Não sei...
_ Ah! Então vão ser Russas – Disse Hermes, mudando o canal e de repente na tela da TV mulheres nuas começaram a rebolar, Caliel arregalou os olhos e deixou um fio de baba lhe escapar pelo canto da boca, quando o fio pingou em sua perna, ele se deu conta e pulou da cadeira. Hermes riu e completou:
_ Cachorros ou Cavalos? – Caliel respirou alto como se esperasse uma grande pancada, tampando os olhos a cada rebolado da mulher na tela, e arregalando ainda mais ao perceber a pergunta de Hermes, que logo parou de brincar, às gargalhadas, desligou a TV. Caliel estava nervoso:
_ Nunca mais faça isso! ...
_ HaHaHa! Eu sei que você gostou Cal, mas parece que você tem vergonha, então é melhor mudar de assunto, não? Me diz... Qual a sua classe?
_ Classe?
_ Você sempre tem essa mania de falar pouco? É, qual classe de especialista você é?
_ Nem sei o que são essas malditas classes, como vou saber a qual delas eu pertenço? – Hermes se ajeitou quando o veículo trepidou um pouco, e se preparou para explicar:
_ Bem, eu entendo que os calouros normais não saibam suas classes, ou nem saibam o que são as classes, mas nós nobres não temos ascensão tardia, eu, por exemplo, usei a primeira técnica aos 10 anos. Mas pelo que meu pai me contou você estava perdido no mundo leigo, então é compreensível.
Mas pra você não nos fazer passar vexame, eu vou te ajudar sempre, afinal somos de certo modo parentes. As classes são divisões criadas há muito tempo para classificar melhor os especialistas, de acordo com suas habilidades e técnicas.

É bem simples no começo, esse ano, passaremos pela prova de seleção da classe básica, que a cada ano em Bongor vai ganhando uma ramificação... Espera só um minutinho... – Hermes foi até o vagão de seu pai, e voltou com um papel dobrado na mão, ele o pôs no chão e o abriu, revelando uma série de escritos:


Agressor (I):

                      .Físico (II):

                                         .Armado (III):
                                                                  .Lâmina (Espada, Sabre, Guilhotina)
                                                                  .Quebra (Maça, Porrete, Meteoro)
                                                                  .Extensão (Lança, Chaku, Bastão)
                                         .Desarmado (III):
                                                                  .Punho (Sutil, Forte, Destrutivo)
                                                                  .Perna (Dinâmica, Velocista, Seqüencial)
                   .Projétil (II):
                                         .Elemental (III):
                                                                 .Naturalista (Herbalista, Animalista)
                                                                 .Basicista (Alquimista, Mecânico, Shaman)
                                                                 .Imaterialista (Espectro, Necromântico, Bruxo)
                                         .Material (III):  
                                                                 .Arqueiro (Incorporador)
                                                                 .Pistoleiro (Precisão, Explosão, Perfuração)
Defensor (I):
               .Próprio (II):
                                     .Interno (III):
                                                             .Escapista (Enganador, Clone, Manipulador)
                                                             .Superatista (Corpista)
                                     .Externo (III):
                                                             .Escudeiro (Elemental, Casulista)
                .Alheio (II):
                                     .Preventista (III): •••. Trocadores  

                                     .Remedialista (III): •••. Médicos


Hermes apontou para Caliel os escritos com o (II) ao lado, e começou a explicar:
_ Esses quatro são as classes básicas, é o que designa seu perfil de especialista. Muitos tentaram ir contra a seleção inicial, e não teve um bom desempenho, eu sou um físico, ainda bem, pois agressor é o domínio mais renomado, os defensores não deixam de ser importantes, mas acabam sendo coadjuvantes em Bongor. Mas não se preocupe, considerando que você é um Boncheummer você deve ser Projétil... – Logo após a explicação breve de Hermes, o veículo suntuoso freou suavemente, fazendo Jacques vir ao encontro dos garotos, não mais com a expressão calma e confiante que esbanjava na mansão, em verdade ele parecia bem assustado, com as pupilas reduzidas ao mínimo.
_ Mudança de planos garotos, irei encontrar Aurélio mais cedo, a escada está logo ali fora, o novo diretor se chama Helenus, eu me comuniquei com ele, e ele estará esperando vocês dois pessoalmente no fim da escada, aproveitem garotos, afinal o novo mundo é de vocês! – Jacques se esforçou para sorrir, deixando mais evidente de que alguma coisa estava acontecendo.
Ao sair do veículo o sol do lado de fora estava alto e imponente no céu, dificultando um pouco a permanência de olhos abertos. Virando a cabeça um pouco para a esquerda Caliel podia ver que estavam em um tipo de estação ferroviária, com um arco simples, e logo após a construção singela e branca havia uma escadaria imensa, se estendendo além das nuvens, não permitindo então, observarem o seu fim. Na base havia uma espécie de rochas de mármore, uma de cada lado, tudo ali era coberto por uma grande quantidade de areia, dificultando a visão total do que se encontrava ali.
Hermes começou a subir os degraus e chamou Caliel com um aceno de cabeça, e assim os dois começaram a subir a escadaria, em rumo a tão esperada escola. Passaram-se alguns minutos de subida, minimizados pelas conversas sobre experiências de infância, que mais se assemelhavam a monólogos de Hermes pelo fato de Caliel não ter quase nada para contar-lhe. Aos poucos a atmosfera perdia aquele aspecto seco e quente, e o ar se tornava bem mais agradável, na verdade, em volta deles tudo se encontrava branco e agradável, como se estivessem presos no infinito. Hermes disse que já estavam chegando, Caliel retrucou perguntando se ele já havia estado em Bongor, levando à negação cabisbaixa de Hermes, que ao levantar a cabeça apontou para uma sombra no fim da escada. Devia ser o tal diretor, disse ele.
Eles apressaram o passo e ofegantes chegaram até um homem usando um terno preto fino, que se encontrava olhando para o outro lado. Hermes apoiou as mãos sobre seus joelhos que estavam retesados e dobrados de cansaço. O homem não se virou, e falou com uma voz incrivelmente aconchegante:
_ O vazio é tão bonito quando olhamos por muito tempo, mas vocês vieram aqui para entrar na escola, estou certo? – Só então ele se virou, revelando um rosto extremamente jovem, olhos pequenos e bondosos, cabelos loiros cacheados, que fizeram Caliel se questionar se aquele adolescente era mesmo o tal diretor, encarando os olhos pequenos dele. Foi interrompido por Hermes que se pronunciou ofegante e desajeitado:
_ Na verdade eu vim pelas meninas, bro! Falando nisso, você sabe cadê o tal diretor? Meu pai disse que ele estaria aqui.
_ Ele é o diretor – Disse Caliel convicto, não sabia por que tinha tanta certeza daquilo, o homem então o encarou finalmente, com o mesmo sorriso no rosto, sem falar nada, Hermes ficou olhando por baixo das sobrancelhas aquela troca de olhares e não resistiu:
_ Cara... Isso tá muito gay... – Fazendo Caliel desviar o olhar e enrubescer o rosto – Mas se você é o diretor, porque não vamos logo para Bongor? Meu primo falou tanto que eu to louco para ver as meninas... eeer... Quer dizer, a escola.
_ Sim claro... Perdoe-me, meu nome é Helenus, e sou o diretor da escola Bongor De’ Grinn a partir deste ano, seu pai pediu pessoalmente que aceitasse vocês dois, mesmo as aulas já tendo se iniciado, mas como vocês são nobres... – Ele então começou a mexer no bolso do paletó retirando entre os dedos uma bússola prateada. Ao abri-la, o chão da escada se abriu e uma coluna cor de esmeralda começou a se erguer, até revelar no centro uma porta talhada com detalhes minuciosos.
Era imensa, tanto por altura quanto por largura, passariam tranquilamente centenas de alunos ao mesmo tempo.
_ Ouvert – Pronunciou Helenus calmamente, e a imensa porta se abriu. O diretor entrou então sendo seguido pelos dois garotos, que ao cruzarem aquela imponente obra de arte se encontraram em uma nova realidade, eles estavam no pátio central de Bongor. No chão abaixo dos pés deles, havia um símbolo lindo e imenso dividido em quatro partes, mais a frente uma belíssima fonte de água jorrava jatos calmos e ao mesmo tempo ariscos, para todos os lados havia árvores aconchegantes, e ladrilhos brancos. Caliel e Hermes olhavam perplexos para todos os lados, imponentes construções ao norte, um campo de flores ao leste, e uma imensa ponte ligando o Oeste a um penhasco ao fundo. Alguns alunos passavam por eles por todas as direções com os uniformes que eles usavam e mochilas ou montes de papéis nos braços. Mas todos, sem exceção portavam um tipo de pingente, seja amarrado em torno do punho, ou no pescoço, todos emanavam um tipo de energia, e Caliel podia senti-la, mas decidiu perguntar o que era aquilo depois.
Um grupo de meninas passou e sorriu para os garotos, fazendo Hermes ir logo se precipitando, mostrando que iria correr atrás delas, quando o diretor o segurou pela gola da camisa sem mover nenhuma parte do corpo além do braço direito.
_ Calma, você terá tempo para isso depois, mas por agora vou mostrar-lhes as acomodações. Como vocês são do primeiro ano, vocês não passaram pela análise de classe, então vocês ainda não tem acomodações apropriadas, por isso, irei levá-los agora para fazer o teste.

Capítulo 7 - Jacques


A explosão foi tamanha que rapidamente atraiu a atenção de uma multidão incrivelmente grande, buscando a fonte de tal poder. Roy sabia que era perigoso deixar tanta gente saber do paradeiro de Caliel, e ainda mais que ele fora o culpado por tal destruição da loja de Siegfried, que permaneceu estático atrás de seu balcão, sem saber o que falar. 
Após trocar olhares mudos com Siegfried, Roy decidiu com calma tomar rapidamente a frente daquela situação, e arregaçando a manga de seu antebraço ele mostrou um tipo de tatuagem para todos ali presentes, e disse de forma bem audível:
_ Caros cidadãos, desculpem pelo transtorno, este foi um treino de equipamento do exército, peço que voltem aos seus devidos locais organizadamente, não há nada para se ver aqui. – Mesmo com alguns retardatários desconfiados permanecendo tempo demais naquele local, eles sabiam que por mais estranho que fosse o fato de um garoto estar desmaiado no chão, e tamanha explosão ser suspeita, uma ordem direta de um militar graduado como Roy não era de prudência ser ignorada. Mesmo assim um homem de estatura média e óculos circulares, com a cabeça meio calva permaneceu em pé na frente do buraco aberto na loja de Siegfried. Roy lhe lançou um olhar ameaçador, o qual o homem retribuiu com uma expressão serena, replicando:
_ Calma calma , general Ford, meu nome é Arlequim, eu sou professor da escola preparatória Bongor De Grinn, vim aqui para pegar alguns materiais com Siegfried, aliás, ele está?
_ Quer dizer então que não está curioso sobre o que aconteceu? ... Sim ele está, mas perdoe o interrogatório, mas o senhor é professor de qual disciplina em Bongor?
_ Sou o professor novato de treino armado, e sim estou curioso sobre o que aconteceu, mas se o senhor diz que o jovem nobre deitado ali não tem nada a ver com este pequeno acidente, não há nada para se perguntar – Ele mantinha o mesmo sorriso amigável, que começou a deixar Roy desconfiado. Mas um professor de Bongor não era uma ameaça, então ele retribuiu:
_ Tudo bem, se o senhor não se incomodar, será que me ajudaria a levar o garoto até outro lugar?
_ Claro ilustre general.
E durante o transporte, Roy disse ao professor tudo o que tinha acontecido ali, e o professor o ajudou a levar Caliel até o chão da loja, onde paramédicos já aguardavam. Caliel tinha machucado a palma das mãos quando desmaiara. A nuvem sináptica que o rodeava pulsava energia continuamente, Roy arregalou os olhos, nunca havia visto alguma coisa parecida com os anos de experiência que possuía.
Caliel foi tratado, e Roy o levou de volta para a mansão, possibilitando o repouso do jovem. Se passaram algumas semanas e ele não acordava, todos na mansão estavam apreensivos, quando de repente, com um suspiro longo e reativo, Caliel levantou de forma abrupta, segurando firme os lençóis, e deixando expostas as veias de seu pescoço. Rapidamente entraram no quarto Roy, seguidos por dois médicos, que acalmaram Caliel e lhe perguntaram o que ele sentia. Com a voz arrastada e cheia de dor, ele respondeu:
_ É como se minha cabeça estivesse em chamas – Disse o garoto quase lacrimejando com a dor. Um dos médicos, o mais alto, correu para o lado da cama, e pôs as mãos ao lado da cabeça de Caliel, dizendo:
_ Technique Premonition – Diagnostic – E logo após usar a técnica deu um salto para trás com os olhos arregalados, gritando:
_ Não consegui permanecer olhando, é muita informação, ele vai morrer se continuar assim.
_ Mas o que devemos fazer? – Disse Roy, totalmente desesperado.
_ Infelizmente não podemos fazer nada, porém, podemos amenizar um pouco a dor, mas pelo que eu vi, toda essa informação terá que ser absorvida de alguma maneira. Enquanto todos falavam, Caliel virava seus olhos, e de repente começou a falar com a voz desfigurada:
_ O puro irá nascer, o puro irá nascer, o fim está próximo. Então simplesmente tudo passou, os olhos de Caliel voltavam ao normal, e aquela dor de cabeça tinha cessado. Ele tinha assimilado aquelas informações, percebendo então a fome que sentia, solicitando logo comida às servas que se apresentavam na porta.
Caliel esticou os braços se espreguiçando como um felino, e percebeu finalmente, ao passar os olhos pelo quarto, os olhares vazios de Roy e ambos os médicos, e mesmo sem entender o porquê daqueles olhares de espanto ele se levantou, calçou os chinelos e se dirigiu a Roy perguntando:
_ Como vim parar aqui? Não faltavam alguns itens a serem comprados?
_ Co...como é possível, o senhor não lembra de nada? – Indagou Roy.
_ A última coisa que me lembra é de ter colocado aquele ampliador de fenda sináptica. Na verdade... estou ansioso para ir para Bongor, devem haver muitas coisas a serem aprendidas.
_ Mas senhor, você passou semanas desacordado, além disso, as aulas em Bongor começaram há alguns dias, mas o senhor não está em condições de ir ainda.
_ Deixe-o ir Roy, até parece que você não entendeu o que aconteceu aqui. Disse alguém com uma voz extremamente grave. Todos olharam em volta, mas o quarto não tinha ninguém além deles, a voz voltou a dizer:
_ Meu filho também não foi para Bongor ainda – de repente na parede ao lado de Roy um círculo negro surgiu sutilmente – Portanto, nada melhor do que irem juntos – lentamente foi delineado o contorno de um corpo escuro, e num piscar de olhos um homem de olhar altivo, usando óculos finos de grau, com os cabelos grisalhos brotando em meio seu fio de juventude. Era difícil definir sua idade, devido à sua postura extremamente madura, mas repleta de vigor. Seu corpo era esguio e estava vestido com um sobretudo roxo escuro de mangas bordadas com dourado, uma blusa fina e branca por baixo, e um belo anel ornamentava sua mão direita, a qual se dirigiu até a face de Caliel de uma forma tão serena que ele nem se moveu.
_ Realmente você se parece muito com Viktor, onde será que ele foi parar...
_ Quem é você? – Disse Caliel se afastando para tirar a face das mãos suaves do estranho.
_ OH! Onde está minha educação, meu nome é Jacques Gorbatchev, herdeiro regente da casa dos portais, e Ministro de Proteção de Genesys.
_ Genesys?
_ Sim ora, o “mundo” dos especialistas.
_ Pera... Você disse Gorbatchev, então isso quer dizer que...
_ Sim Caliel, ele é um dos quatro nobres regentes, seu título é Jacques, aquele que salta. Meus respeitos senhor, mas como guardião da casa dos Boncheümmer, não posso deixar o mestre Caliel ir para Bongor nestas condições, contudo, mesmo que pudesse, ele não terminou ainda de comprar os materiais necessários...
_ Já providenciei tudo Roy, partimos ao anoitecer, até lá o garoto tem tempo para se recompor, é evidente a sede dele por saber mais meu caro.
_ Mas o trem para Bongor não parte mais essa semana senhor...
_ Eu mesmo os levarei, preciso tratar alguns assuntos com Aurélio. Então esteja pronto em 3 horas meu jovem herdeiro – E assim o homem virou seu corpo em direção a parede de onde surgira e subitamente o círculo negro ressurgiu, dando à parede um aspecto de plasma escuro. O ministro passou pelo plasma naturalmente, ignorando todas as leis da física, antes mesmo que Caliel pudesse perguntar algo. Ele havia se dissipado no ar.
Roy aconselhou Cal a obedecer, e enquanto o garoto subia as escadas sem se situar naquela situação toda, foi instruído a tomar seu banho, que logo logo o almoço estaria servido, ele pegou um pedaço de pão na mesa e antes mesmo de chegar aos últimos degraus ele já havia devorado por completo o pão de ervas.
Ele almoçou e se arrumou, ansioso com o que lhe esperava, o aval que ele queria a meses, que lhe fez por um momento esquecer-se de algo fundamental, de certo modo essencial para ele. Perguntou a Ford:
_ Roy... E Illik, voltou qual dia? – Roy se encontrava sentado na poltrona com os dois enormes braços cruzados, que se retesaram ao escutar a pergunta de Caliel, fazendo-o curvar seu corpo na direção da janela, dizendo por baixo de seu bigode espesso:
_ Bem Caliel... Você não precisa se preocupar, ele vai voltar logo logo... Mas ninguém tem notícias dele desde quando ele saiu.
_ Então eu me recuso a ir para essa escola, nunca fui a nenhuma e não me fez falta alguma. Vou procurar Illik, e se você não vier vou sozinho. – Caliel já estava com o rosto vermelho como brasa quente ao gritar isso a Roy, sua veia do pescoço se encontrava pulsante.
_ Isso não é trabalho para um nobre – Inferiu Jacques, chegando desta vez pela escada inferior do salão principal.
_ Mas ele é meu amigo, como posso ficar tranqüilo sabendo que ele está perdido por aí.
_ E você espera encontrar ele como? Ou melhor, e se você chegar a encontrá-lo, provavelmente deve haver inimigos fortes. É mais prudente seguir Jacques. Além disso, todas as brigadas de rastreadores do Norte estão investigando o caso, é uma questão de tempo até acharmos ele. - Observou Roy de modo convicto e confiante, automaticamente acalmando o impulso de fúria de Caliel, que suspirou por 30 segundos, até conseguir finalizar:
_ Então eu vou com ele, mas se você tiver qualquer notícia, me comunique imediatamente? OK?
_ Certo senhor, e tenha cuidado leve contigo seus amplificadores. E não se esqueça de aproveitar. – Com as mãos no cabelo de Caliel, foi o que disse Roy de modo extremamente carinhoso, como um pai. O garoto se pôs de prontidão em frente a Jacques que fumava um charuto, e ao perceber a presença de Caliel desencostou da pilastra e já foi tratando de começar o percurso até o jardim da mansão.
_ Já está pronto?
_ Sim, posso não gostar, mas no fim você estava certo, nada sei desse mundo, como poderia fazer algo? No máximo conseguiria me perder por aí.
_ Sábia reflexão meu jovem, vamos, meu filho está esperando no jardim, vocês tem de se conhecer também – Finalizou Jacques andando tranqüilo até a porta. Do lado de fora um garoto de cabelos castanho-claros jogados em diagonal tampando completamente um de seus olhos, usando uma calça social clara, uma blusa com as mangas compridas arregaçadas até os cotovelos, e um colete. Caliel lembrou-se de que aquele era o uniforme que comprara, com isso, voltou correndo para a casa e já na porta estava a mesma governanta de sorriso agradável. Ela tinha o uniforme de Caliel nos braços, ele pegou e trocou de roupa na própria sala de estar.
Quando ele terminou, saiu rápido, mas não adiantou muito, pois a expressão de Jacques não estava muito agradável, Cal se aproximou desculpando-se:
_ Eu não sabia que tinha que ir com o uniforme, atrapalhei muito a partida senhor Jacques?
_ Oh meu jovem, não não... Mas vamos indo, os assuntos se tornaram mais urgentes. A propósito, você não conhece meu filho, seu nome é Hermes. Hermes venha cá, estamos partindo – Gritou Jacques para o garoto, que abordava uma criada com uma cesta de frutas nas mãos, ele veio correndo pegando um pedaço de papel nas mãos da criada. Cumprimentou Caliel de modo desajeitado e sorridente.
Após as cordialidades, Jacques inferiu:
_ Então estamos todos prontos, tenho que lhe perguntar uma coisa primeiro, Boncheummer, você já viajou por portais complexos?
_ Sinceramente não sei... – Disse Caliel se lembrando quase imediatamente de como chegou aquele lugar, e contou: Só quando cheguei aqui, por meio de Gondolous, acho que aquele é um portal não é?
_ Ah! Então não teremos muito problema. Mas Bongor foi construída diametralmente em relação ao espaço e tempo, de modo que a única forma de chegar à escola flutuante é pela escadaria principal, mas o ponto de teleporte mais próximo dela fica no deserto de Tungook, de onde parte o trem para Bongor, mas como não há nenhum hoje iremos a pé, algum problema?
_ Claro que não, sempre fui acostumado a andar bastante, mas a viagem não é perigosa? Afinal é um deserto.
_ Em verdade é muito perigosa, mas meu pai é um dos 4 nobres regentes, além disso, ele esqueceu de mencionar que é um octóide. – Intrometeu Hermes.
_ Octóide?
_ Ah! Vamos aprender isso na escola, é só relaxar e deixar tudo acontecer bro! – Disse Hermes com os olhos cansados e uma expressão calma, dando um soco leve no braço de Caliel.
_ Perdoe meu filho, ele ainda não perdeu esses costumes estranhos, mas não há nada com o que se preocupar, vou abrir o portal para o deserto de Tungook, se afaste, por favor – Nesse momento Cal e Hermes se afastaram, respeitando o homem, que começou a fazer movimentos circulares com os braços, como se estivesse rolando uma esfera por entre os dedos. Ele bateu as palmas das mãos abrindo a fenda sináptica, fazendo o ar ficar mais rarefeito ao seu redor. Abriu as pernas, e continuou rotacionando as mãos, quando pronunciou:
_ Technique de Vestibule - Chemin de l'utilisation – O contorno do círculo negro surgiu, e ele continuou sem cessar o movimento:
_ Technique de Vestibule - Ouverture de la Porte – O círculo começou a girar, e a atmosfera no centro dele começou a ficar mais densa, visivelmente mais densa, tomando uma textura diferente. Ele prosseguiu:
_ Technique de Vestibule - Direction: Desert Tungook – Completando a técnica com símbolos circundando o portal, e finalmente com a estabilização do ar em torno e dentro do portal, que não parava de rodar, porém agora, com uma velocidade quase imperceptível.
Roy se adiantou, e despediu-se de Caliel pondo a mão em seu ombro, dizendo:
_ Cuidado, e lembre-se, você é singular, mestre Boncheummer – Hermes foi o primeiro a passar normalmente pelo portal, que brilhou por alguns segundos, mas retomou sua forma. Jacques acenou para todos e repetiu o processo, e finalmente era a vez de Caliel. Olhou pela última vez para Roy, buscando algum conselho em seus olhos, o general indicou o portal sutilmente, então com a respiração presa , Caliel passou pelo portal, ficando desnorteado, caindo de joelhos na areia fofa sob o sol escaldante do deserto de Tungook.

Capítulo 6 - Instrução



A sua cabeça ainda ecoava devido ao choque que tivera com o chão, mas mesmo assim ele conseguiu abrir os olhos assim que escutou aquela voz. Um senhor estava de pé á sua frente. Este, diferente de todos os outros servos, Caliel não conhecia, ele usava uma camisa de mangas curtas que deixavam os imensos músculos de seus braços expostos, era um homem extremamente alto, que chegou a assustar Caliel, que por impulso se afastou no chão até bater a cabeça na parede atrás de si.
_ Quem é você? Um intruso? Responda Garoto, se não acabarei com você com as minhas próprias mãos.
_ Eu é que deveria perguntar isso, eu sou Caliel Boncheümmer, 7º herdeiro da casa Boncheümmer. – Disse Caliel se lembrando bem do título de nobreza que Illik o havia ensinado para situações como essas.
_ Você é o herdeiro? – Disse o imenso homem arrumando suas roupas e prestando continência. – Me perdoe senhor, eu sou o armeiro da casa dos Boncheümmer, Roy Ford.
_ Mas se você é o armeiro... – Disse Caliel se levantando do chão – Como eu nunca te vi aqui antes?
_ Bem... Além de armeiro desta nobre casa eu sou o General da 5ª Brigada do exército federal. E tivemos um sério problema em um país aliado, por isso precisamos intervir. Mas já estou de volta, aliás, encontrei com Illik no meu caminho de volta e ele me mandou um recado para você.
_ Então ele está bem?
_ Sim, mas ele não voltará por alguns termos circunstanciais. O recado dele é o seguinte. – Disse o homem entregando um pedaço de papel escrito á mão a Caliel, que dizia:
“Caliel,
Eu me atrasei no meu compromisso, e suas aulas estão chegando, por isso eu instruí o Roy a guiá-lo, e ajudá-lo a comprar os materiais para a escola.
Tudo que eu tinha para lhe ensinar já ensinei, e eu acho que você irá trazer muito orgulho para essa casa. Nos vemos nas férias de meio de ano, e lembre-se:
“Seu caminho você constrói”
Illik.”
_ Nossa, ele havia dito que voltaria para fazer essas coisas comigo... Roy posso lhe fazer uma pergunta?
_ É claro.
_ Você acha que ele vai ficar bem?
_ Isso é óbvio. Pode não parecer, mais Illik é um homem muito habilidoso, não creio que ele vá se machucar, ele disse que você poderia ficar assim, e que eu lhe deveria instruir a pensar na escola agora. Por isso nós vamos às compras agora, eu estava me dirigindo ao seu quarto para lhe acordar, mas parece que você já está desperto, isso agiliza bastante as coisas.
_ Mas nos vamos aonde assim tão cedo?
_ Temos que comprar seus materiais escolares, Illik já me deu todo o dinheiro que gastaremos para comprar do melhor para você.
_ E onde iremos comprar isso, aqui não tem o que precisamos não?
_ Não, tem muito tempo que alguém desta casa vai para Bongor, logo, precisamos comprar tudo novo para você. Por isso estamos indo para o país da água para comprar tudo no Mercado do Hexágono Oculto.
_ Nossa! Os únicos lugares que conheço são aqui e a casa de Gondolous, espera só eu trocar de roupa que já podemos ir.
_ Claro, irei esperar no salão principal, vou pegar os mantimentos para a viagem. – Assim dito Caliel tratou de subir correndo as escadas, totalmente empolgado com tudo aquilo que chegou até a esquecer a sua preocupação com Illik.
Colocou a roupa que tinha recebido da camareira na semana passada, qual ela dizia ser uma veste para ocasiões especiais, calçou sua bota, vestiu a calça jeans e o moletom e tratou de descer as escadas tão rapidamente quanto havia subido. Chegando no salão principal a empolgação emanava de todo seu corpo, ele estava ofegante pela velocidade que assumiu, e nem percebeu que a mesma menina daquela manhã estava no salão ao lado de Roy, só foi perceber isso ao se acalmar um pouco, e perguntou o que tinha dúvida a algum tempo:
_ Ei, eu sempre vejo você aqui, mais nunca soube, qual é seu nome?
_ Meu nome é Mary, seu mole... Digo... senhor. – Respondeu a loira com o rosto vermelho, após de olhar para o rosto de Roy, que permaneceu com o mesmo sorriso sob seu grande bigode, que oscilou quando ele começou a falar:
_ Bem, então irei esperá-lo lá fora senhor, ande logo, temos muito que fazer hoje.
_ Tudo bem. – Disse Caliel com os olhos ainda fixos na loira, que retribuiu a ação de forma altiva, com certa arrogância, levando Caliel a se irritar e apaixonar. – Porque você não gosta de mim? Eu Fiz algo para você? – Indagou o garoto.
_ Você não me fez nada por sua vontade, mas que eu saiba, sou obrigada a servir esta casa, não a gostar do senhor.
_ Não fiz nada por minha vontade, mas isso não cancela o fato de eu ter feito algo para você, por favor, me diga.
_ Infelizmente não tenho permissão para falar-lhe sobre isso, me desculpe, mais vou voltar ao meu trabalho. – Foi o que Mary falou girando sob seus calcanhares e andando em direção à porta de trás da mansão. Quando ela fez aquilo seu vestido rodou voando por cima de suas coxas, mostrando suas roupas íntimas, fazendo Caliel se lembrar daquela manhã, causando-lhe um sangramento nasal, evidenciado por gotas de sangue caindo no chão à sua frente. Ele tratou de limpar logo com a manga da camisa, que era escura, então não apareceria a mancha, e foi para o lado oposto, na direção por onde Roy havia saído.
Chegando lá fora Roy colocou várias bolsas no chão ao seu lado, e perguntou em voz alta:
_ Senhor, já podemos ir? – E Caliel querendo demonstrar conhecimento disse:
_ Claro, mas como você irá colocar tanta coisa em uma moto?
_ Moto?
_ Ora, Illik invocou uma moto voadora para me trazer para cá, estas bolsas todas não caberão em uma similar. – Nesse momento os olhos escuros de Roy começaram a lacrimejar e ele começou a rir abraçando sua barriga.
_ Garoto, você é bastante inusitado... Hahahaha! ... Bem, deixe-me explicar da melhor maneira possível, pois me disseram que você sofreu amnésia. Bem a técnica que Illik usou é uma técnica de transmutação de veículo voador, aquela é a moto dele. No entanto, assim como os elementos, que Illik lhe explicou, cada pessoa forja certo tipo de veículo de acordo com sua personalidade, como uma questão de preferência, quando chegar a hora você também passará por esse processo de forja.
_ Como você sabe o que Illik havia me explicado?
_ EU LHE EXPLICO UM PROCESSO AVANÇADO DE INVOCAÇÂO E VOCÊ PREOCUPA SOMENTE COM ESSE FATO PEQUENO? – Disse Roy com uma feição nervosa, levando Caliel a se encolher – Ah... Mas você é só um garoto ainda... Bem, como Illik é um rapaz pequeno e ágil ele logicamente teria como veículo uma moto voadora, eu, diferente dele, sou mais pesado.
_ Mas espere, todos aqui tem um veículo surreal como esses?
_ Não, a técnica de forja de veículo é muito avançada, de nível Pentóide, tem que ter uma incrível sincronia com seus impulsos, por isso só alguns poucos têm esses veículos.
_ Então como você sabe que eu irei chegar a ter um destes veículos?
_ O senhor é um nobre, tem um nível de pureza acima do normal, sua sincronia já é naturalmente aguçada, não há um nobre que não tenha forjado um veículo. Mas isso é um assunto a ser tratado mais a frente, você será instruído talvez até na própria Bongor.
_ Então qual é seu veículo? Você não disse.
_ Bem, eu sou um pouco mais experiente que Illik, e no exército nós aprimoramos um pouco nossos veículos, por isso é melhor você ver. Se afaste, por favor – E então Caliel tomou uma boa distância de onde Roy estava, e mesmo estando tão distante Roy gritou para ele se afastar mais. Caliel se impressionou com a proporção que aquilo iria tomar, e estava extremamente ansioso, mesmo de tão longe ele conseguiu escutar Roy falando:
_ Technique de Vestibule - invoquer du véhicule incassable – O que ele fizera com as mãos foi igual o que Illik fez ao invocar sua moto, mas diferente do processo anterior, o círculo que entrou no chão começou a brilhar em uma intensidade que as rochas que estavam próximas flutuaram. Um tanque de guerra parecido com um Mark V imenso apareceu na frente dos olhos de Caliel, deixando-o mais perplexo ainda. Aquilo era incrível, era imenso, era magnífico, só de olhar ele já se sentia intimidado. A esteira lateral era bem maior que seu corpo inteiro, ele era capaz de tranquilamente ultrapassar qualquer edificação da mansão sem problemas.
Roy entrou pela escotilha superior e chamou por Caliel, que ainda estava pasmo com tudo aquilo, ele se sentia totalmente deslocado, lhe lembrando que não fazia parte daquele mundo incrível. Diferente do que ele tinha pensado o interior não era tão “sólido” quanto o exterior do veículo, aliás, era bem confortável, tinha uma boa iluminação, e uma grande tela que reproduzia o exterior.
Subitamente o senhor Ford ligou o imenso tanque, que emitia um som estridente e bruto, tão bruto que lembrava Caliel de um tufão. Roy lhe perguntou:
_ Então? Gostou da minha belezinha?
_ Nossa, é tão grande e imponente, mas deve gastar uma energia tremenda para levar tanto peso pelo ar.
_ Quem disse que vamos pelo ar? – Disse o homem dando uma piscadela com o olho esquerdo, abrindo a fenda e pronunciando o nome da técnica:
_ Technik des Impulses – Mole immense Metall – Fazendo um grande estrondo que fez Caliel observar com os olhos arregalados o monitor, que mostrava terra, e raízes. Mesmo depois de todas as coisas incríveis que ele presenciou naquele lugar aquilo era demais, eles estavam entrando mais e mais no interior da terra, passando por animais subterrâneos até caírem em um grande túnel, repleto de sinalização, era como uma rua cheia de uma metrópole, com veículos similares transitando em ambas as direções. Caliel perguntou:
_ Onde nós estamos?
_ Essa é a rota subterrânea do exército, todos aqui são especialistas federais e prestadores de serviço para o exército, é um dos modos mais rápidos de viajar para usuários de veículos terrestres. Pode relaxar e olhar em volta no caminho, que a viagem durará poucos minutos. – E assim foi Caliel observando cada parte daquele mundo, eram veículos incríveis, longos, largos, pequenos, que iam para todos os lados como pequenas formigas, as placas eram bem luminosas, indicando o caminho para cada país e cidades. Os veículos saiam por tubos metálicos que levavam a superfície, que ficavam espalhados por todos os cantos. Roy tomou o rumo do tubo subterrâneo 4-13, que os levou diretamente para uma estação do exército no mercado pentagonal, onde eles deixaram o veículo e seguiram a pé.
Um extenso corredor tinha no fim de sua extensão uma luz, a qual Caliel presumia ser do sol. A viagem tinha sido empolgante, e ao passarem por um grupo de soldados todos bateram continência e disseram em grupo “Bom dia General Ford”, o qual o imenso homem respondia com um caloroso: “Bom dia recrutas” e um sorriso no rosto. Mesmo sendo um homem de físico tão escultural e rude, ele portava sempre de uma educação impecável, que ultrapassava os limites de seu interior emanando nos sorrisos calorosos que ele sempre esculpia em seu rosto moreno, por debaixo do bigode e da sobrancelha grossa.
Ao se acabar o túnel, eles saíram para o abraço do pai sol aos seus pequenos filhos que lotavam a grande cidade de Kribbeln, tudo aquilo fazia jus ao nome da cidade, realmente se tratava de um formigueiro de pessoas. Mercadores gritando em cima de caixas amontoadas, mulheres procurando seus filhos no meio da multidão, lojas com extravagantes entradas, todas regidas pela bela arquitetura branca e limpa das cidades do país da água. Um humano qualquer ao ver a imagem, com certeza confundiria com uma cidade mercadora grega.
Cal achou tudo aquilo ao mesmo tempo irritante e lindo, mesmo em Frankfurt, quando freqüentava lugares com várias pessoas ele era rapidamente perseguido por um segurança enraivecido obrigando-o a deixar o local. A água do mar batia nas rochas que protegiam a cidade do poder avassalador das ondas. Roy o instruiu a não sair de perto dele, e entregou-lhe uma lista, onde continham os materiais requeridos pela escola para que cada aluno portasse. A carta com a lista era enviada as famílias dos alunos que tinha a seguinte descrição:

Os alunos do primeiro ano da Escola Bongor De’Grinn deverão apresentar no primeiro dia de aula os seus materiais de uso pessoal para desempenho satisfatório durante o ano, tais materiais datam de :
. Materiais de higiene pessoal
. Roupas de baixo e pijamas
. Um amplificador de fenda sináptica
. Um conjunto de tubos de ensaio
. Uniforme de verão
. Uniforme de inverno
. Se desejar, trazer uma esfera alada
Após ler aquilo tudo, alguns itens ficaram em sua cabeça, por mais que ele quisesse não tinha como saber o que eram. Como Roy pediu, ele leu em voz alta a lista para ele fazendo-o fazer uma expressão de pensativo e falar:
_ Bem, vamos comprar primeiro o seu amplificador de fenda, é o item mais importante da lista, para comprá-lo iremos ao Siegfried, ele é sem dúvida o melhor Ferreiro de todo o continente, vamos, é logo ali naquela porta azul. – Roy apontava para uma portinhola redonda e baixa, a qual dificultou a passagem de Caliel, que ficou impressionado ao ver que Roy o seguiu e conseguiu entrar na casa. Lá dentro todo o ar de claridade e frenesi da cidade foi amenizado pelo ambiente gelado e escuro, porém incrivelmente organizado. Roy foi entrando e gritando: “Sieg saia do buraco onde você está homem! Um velho amigo veio com um cliente” , em resposta uma sombra começou a se mexer por detrás das cortinas que separavam os cômodos, um anão gordo e incrivelmente forte, com uma barba lisa e ruiva, e expressão forte saiu resmungando algo, e parou imediatamente quando viu Roy em pé na sua frente.
_ Ora ora, veja o que os ventos me trouxeram, Punhos Fortes, ou deveria dizer Coronel Ford. Que honra recebê-lo aqui velho amigo.
_ Siegfried, Mestre do Aço, realmente faz muito tempo meu amigo, tanto tempo que você nem sabe da minha promoção.
_ Você foi promovido novamente?
_ Sim, agora sou general da 5ª Brigada, mas não vim sob missão do exército hoje, vim sob missão para a casa Boncheümmer, conheça o novo herdeiro: Caliel. – Nesse momento Caliel arrumou um pouco suas roupas e ficou com uma postura mais ereta, tentando se afirmar em meio àqueles dois homens fortes.
_ Muito prazer senhor Boncheümmer. Só tive a honra de conhecer um de seus familiares, aliás, foi semana passada, aquela menina loira... Qual seu nome mesmo...?
_ Mary? – Disse Caliel impressionado por ter lembrado justamente da criada loira, qual descobrira o nome naquela manhã.
_ Sim, esta mesmo, aliás, ela parecia um pouco desapontada com algo, ela tinha encomendado um ampliador de fenda sináptica, aliás já tinha até pago ele com o próprio dinheiro, e de repente ela ligou cancelando a encomenda.
_ Roy, era sobre isso que você estava falando com ela hoje? E como assim ela é uma familiar minha, ela não é só mais uma criada? Por favor, não minta para mim... – Disse Caliel mais confuso do que nunca.
_ Bem senhor, não estava autorizado a falar sobre este assunto, mais como é uma ordem do senhor, não há como eu negar. O nome completo dela é Marianne Lhushz Vast Boncheümmer, ela é tecnicamente sua irmã bastarda, poucos sabem mais antes de seu pai partir ele engravidou uma das criadas, com a qual ele mantinha relações secretas, e como sua mãe já havia morrido, não teve tanta repercussão, e para demonstrar sua sempre grande generosidade ele decidiu deixá-la como herdeira até a volta de seu filho, com isso ela era sempre tratada como a herdeira, no entanto, tinha que trabalhar na casa para pagar suas próprias contas. Era para ela ir para Bongor este ano, no entanto, com sua chegada a casa passa a pagar somente sua estadia lá.
_ Espere... Por isso ela me trata daquela maneira? ... E eu nem sabia – Caliel começou a andar de um lado para o outro, e disse de repente: - Não, isso não está certo, a casa pode pagar pela estadia dela também não pode?
_ Sim senhor, mais esse dinheiro é somente para o senhor, e não para uma filha bastarda, isso nunca aconteceu antes.
_ Mas agora irá acontecer. Ela é mais merecedora desta vaga que eu, então, por favor, ligue para a casa e diga a ela que ela também irá para a escola sob conta da casa, por favor?
_ Mas senhor...
_ Roy... Estou lhe pedindo como um amigo, por favor, isto vai me deixar com a consciência muito mais leve – Disse Caliel se lembrando que não fazia parte daquele mundo, e tomando conta da injustiça que estaria cometendo.
_ Se é assim... Eu o farei meu senhor, mas vamos comprar logo seu ampliador de fenda, porque ainda temos um longo dia pela frente.
_ Opaa! Falando em ampliadores de fenda é comigo mesmo – Disse Siegfried que até o momento estava brincando com a ponta dos fios de sua barba – Se é um ampliador para um nobre vou ter que caprichar, você tem alguma preferência senhor Caliel?
_ Bem, eu nem sei o que é este ampliador ainda, então faça do jeito que você achar melhor...
_ Esta é minha especialidade, espere um momento que vou buscar os materiais e já lhe entrego.
_ Rápido assim?
_ Sim – Disse Ford – Siegfried é um dos maiores especialistas em forja do mundo todo, você verá, e você perguntou o que é o ampliador de fenda sináptica, é um tipo de “luva” condutora, que os especialistas novatos usam para conseguir induzir o corpo a fazer as técnicas.
_ Hmm... Então ele irá fazer uma aqui na hora? Tô até querendo ver... – Neste exato momento Siegfried saiu da portinhola com um avental em seu corpo, e uma barra grande de um metal brilhante, e algumas pedras verdes translúcidas, as quais Caliel julgou impressionado se tratarem de esmeraldas. Colocando tudo aquilo no chão, Siegfried chamou Caliel e pediu que ele se sentasse em uma cadeira que se encontrava do outro lado da pequena loja.
_ Bem, agora eu preciso que você fique totalmente imóvel durante todo o processo. Coloque seus dois braços para frente e mantenha-os firmes a esta altura. – Disse o anão ajustando a altura dos braços de Caliel. – Agora vou começar, por favor, não se mecha e evite falar. – Dizendo isso o Anão pegou uma tira de pano e envolveu cada braço de Caliel nela, deixando-os brancos como algodões devido ao nobre tecido. Logo após fazer isso ele pegou a barra de metal brilhante e a colocou no chão em sua frente. Batendo as palmas das mãos ele pronunciou de modo bem audível:
_ Technik des Impulses – Metall Schneidmesser – E em um súbito movimento um feixe brilhante escapou do encontro de suas palmas e partiu em um só movimento a barra de metal em duas partes. Mas devido a voz rouca e imponente do Anão, quando ele usou a técnica Caliel segurou a cadeira assustado, causando gargalhadas em Roy que se apoiou na bancada observando aquilo tudo.
Siegfried pegou então uma parte do metal cortado e colocou logo ao lado do braço esquerdo de Caliel, e novamente unindo as palmas das mãos ele pronunciou:
_ Technik des Impulses – Wrap Metallic menschlichen Arm – Fazendo com que o metal assumisse uma consistência gelatinosa que revestiu toda a mão e o antebraço de Caliel. Siegfried manteu uma das mãos “segurando” a técnica, e com a outra pegou duas das pedras verdes e colocou sobre a palma da mão de Caliel, e com uma maestria incrível pronunciou:
_ Technik des Impulses - Extraktion des Wesens des Edelsteins – Que levou as pedras a começar a brilhar ofuscando a visão de Caliel, que se fundiram em um tipo de placa esférica, a qual Siegfried posicionou meticulosamente na palma de Caliel. Finalmente o anão partiu para a última etapa da forja, dizedo:
_ Technische Puls Verbindung - Fusion von Teilen der Siegfried – Unindo novamente as duas palmas de mão Siegfried fez um tipo de fusão dos processos, o qual resultaram em uma manopla brilhante e detalhada, com pequenos frisos nas laterais, e uma palma da mão verde e translúcida, como se fosse um cristal. Siegfried ordenou que Caliel testasse a mobilidade da manopla, o qual respondeu mexendo os dedos freneticamente:
_ Incrível, é como se minha mão estivesse nua. Só a aparência já dá um aspecto de ser algo grosseiro e pesado, mais não sinto nada disso, é totalmente móvel, que impressionante Siegfried.
_ Então me deixe terminar fazendo uma réplica. Por favor, retire o amplificador para eu cloná-lo. – Obedecendo Caliel retirou a luva com uma leveza indiscutível, e entregou a Siegfried, que pronunciou novamente em tom bem audível:
_ Technische Puls Verbindung - Klonen von Siegfried – E com um brilho ofuscante apareceu uma réplica perfeita da luva, a qual siegfried mudou a posição dos polegares com um movimento rápido do dedo indicador, e as entregou a Caliel com um sorriso no rosto, dizendo:
_ Aqui estão seus amplificadores sinápticos, creio que serão muito bem satisfatórios, usei os meus melhores materiais. Vamos, teste-o.
_ Mas senhor, eu não sei usar técnica alguma...
_ Use uma técnica elementar, vejamos, está vendo aquela pedra ali em frente? Vista os amplificadores e bata as palmas das mãos pronunciando:
_ Technik des Impulses – Projektil Earth , Aí você sentirá um tipo de formigamento nas palmas das mãos, e somente aponte as mãos para aquela pedra solta.
Caliel se encontrava em um impasse, ele sabia que não tinha aqueles poderes formidáveis, e ele pressentia que seu sonho finalmente chegara ao fim. Agora ele não poderia negar, pois ambos, Roy e Siegfried estavam ansiosos olhando para seu desempenho. Fechando os olhos com medo do que estaria por vir ele vestiu as luvas e disse em voz alta:
_ Technik des Impulses – Projektil Earth – Mas um formigamento estranho desceu por seu braço, era como se estivesse sendo atacado, doía e ele não sabia o que fazer com aquilo tudo, de repente tudo se intensificou, e obedecendo as ordens de Siegfried apontou as mãos para a pedra. Mãos essas que começaram a brilhar incrivelmente, não que ele não tivesse visto aquilo antes, mas ele não imaginava que poderia fazer isso, e como se fosse um especialista de verdade pensou exatamente em expulsar aquilo de seus braços, com tanta força que um impulso cor violeta saiu da palma de suas mãos, jogando-o para trás. Com um rápido movimento Ford o segurou antes que batesse com muita força na parede. Ele desmaiou, e Ford ficou impressionado ao perceber que ele tinha feito com que aquela pequena pedrinha provocasse um dano imenso na parede. Ambos estavam perplexos com aquilo tudo, e Caliel desmaiado no chão daquela pequena loja.
Roy pensou consigo mesmo: “Será este o nascimento de um herói?”

Capítulo 5 - Explicações


“_Podemos ser chamados de Especialistas, esse nome foi atribuído a nós pelos quatro puros, os nossos antepassados originais. Ainda não se sabe ao certo como eles obtiveram seus poderes, só sabemos que eles foram os primeiros, seus nomes e títulos: Yuseff Boncheümmer, mestre dos pulsos, o patriarca de nossa família. Giovanna Fiorentini, a manipuladora. Claude De’Goulle, o criador de portais e por fim Evelyn Grinn, a premonitora.

Mais você deve estar se perguntando o que são, e como obtemos os poderes, na verdade ainda não conseguimos descobrir como os puros obtiveram os poderes, mas sabemos que eles são provenientes de uma mutação no DNA que dá o controle a nós da porção do nosso cérebro responsável pelo sobrenatural.

Já que você não deve ter entendido muito bem, vou explicar como é o mecanismo. Quando você move o seu dedo, o seu cérebro libera um estímulo nervoso que percorre todo seu braço e contrai seu músculo, e seu dedo se move. O que nós fazemos não é nada além de controlar esses impulsos em algumas áreas de nosso corpo, nós controlamos as Sinapses. ”

_Tá bom, isso eu entendi, mas o que esses impulsos tem a ver com você fazer aparecer aquela moto, e soprar fogo pela boca? – Indagou Caliel.

_ Calma, já vou explicar isso. Primeiro eu vou explicar parte por parte. Como eu disse antes os quatro puros tinham, cada um o poder de controlar uma área dessas, e nós herdamos isso deles, mas diferente do poder puro que tinham, nós temos a liberação de partes das quatro áreas, sendo chamados de impuros, frutos da miscigenação, por isso conseguimos usar todas as técnicas, mas nosso poder nunca se igualará ao deles.

_ Quais áreas são essas?

_ Eu já ia explicar, elas são divididas em quatro, como eu havia lhe dito antes... Os pulsos, Portal, Manipulação e Premonição. Essa semana vou tentar te explicar o básico de pulsos, afinal é a técnica de nossa família. E você ainda não é liberado, mas você precisa saber o básico para a escola.

_ Escola?

_ Calma, calma... Vamos por partes, primeiro vou te introduzir o que são os pulsos e como usá-los.

Os pulsos consistem no uso de seus impulsos nervosos interagindo com o meio, isso é basicamente fazer com que os impulsos de dentro do seu corpo sejam canalizados e utilizá-los para usar o meio externo como uma parte de seu corpo. Mas para usá-los você tem que saber como o seu cérebro funciona.

Como eu disse antes, quando você quer fazer alguma ação com seu corpo primeiro você pensa nela, e dá uma “ordem” para o seu cérebro. Esta ordem é transmitida pelos seus neurônios, por intermédio das sinapses, que são justamente impulsos elétricos que polarizam e despolarizam os neurônios, enviando a “ordem” inicial para o resto de o seu corpo executá-la. Mas o surreal de tudo isso, é o fato de nós não controlarmos o “impulso” propriamente dito, pois nosso cérebro foi condicionado a fazer tudo automaticamente. – Nesse momento Kael fez uma cara afirmativa e recostou-se no sofá.

_ Então basicamente consiste em fazer com que o meio seja “parte” do seu corpo, e controlá-lo como tal, para isso existem as técnicas básicas que são as elementares: “ar, fogo, terra e ar”, e como uma espada ou uma roupa seu corpo tem maior afinidade com certo elemento, dependendo de sua índole. Eu por exemplo consigo usar bem técnicas que envolvem ar.

_ Mas como eu controlo um elemento Illik?

_ Bem, vou explicar o básico de cada um deles: Começando pela terra... O uso de técnicas que envolvem terra tem a seguinte lógica:

Você libera uma corrente de impulsos contínua, e une as palmas das mãos para direcionar e acumular os impulsos nelas. Mantendo o fluxo contínuo você entra em contato com a terra introduzindo o impulso nela, e aí por diante, de acordo com o seu alcance, você pode manipular a terra como você move um braço. Podendo amaciar ou endurecê-la, e em alguns casos mudar até sua constituição, que em casos de extremo domínio da técnica, podem ser construídas edificações completas de terra ou pedra.

_ Que impressionante! Mas a pessoa sente mesmo a terra como parte de seu corpo?

_ Sim, por isso há técnicas que criam até um boneco de terra, que sob seu controle pode se mover como uma marionete. Mas isso é outro assunto mais complexo... Por enquanto podemos já passar para os pulsos de água. – Nesse momento uma serva de cabelos castanhos claros apareceu com uma bandeja repleta de biscoitos e uma xícara de chá para ambos. Illik e Caliel agradeceram e beberam um pouco do chá antes do baixinho retomar:

_ Que chá maravilhoso... Onde eu estava mesmo?

_ Começando a explicar o elemento água...

_ Ah sim! O elemento água... Bem, o pensamento inicial é bastante similar ao da terra, aliás, é o mesmo para todos eles, afinal são todas técnicas de pulsos. O especialista emite um pulso e o acumula nas palmas das mãos, logo depois se direcionam esses pulsos para uma fonte de água próxima, trabalhando como um tipo de “trampolim”. O especialista não precisa encostar-se à água necessariamente, mas ele tem de criar uma corrente que esteja em contato com a água. Dessa vez ele não age como se a água fosse um membro de seu corpo, mas sim como se ela fosse uma arma empunhada pelo mesmo. Afinal a água trabalha de certo modo que, para servir como um ataque efetivo ela tem que ser conduzida, como uma onda. Então o movimento básico é o de “pegar” a água e conduzi-la até seu oponente, trabalhando somente como intermediário. Sacou?

_ Não muito bem, quer dizer então que eu não encosto mais estou em contato?

_ Sim, é basicamente como se você fizesse cordas de impulsos que se agarram à água.

_ Então quer dizer que invés de um só movimento se eu ficar “pegando” e jogando mais água eu vou maximizar o dano.

_ É exatamente isso, aliás, você foi até um pouco além... Mas chega de falar sobre isso hoje, o senhor deve estar exausto. Amanhã nós continuaremos.

_ Mas eu quero saber mais...

_ Calma meu senhor... Não deixarei o senhor ir despreparado para Bongor De’Grin.

_ O que é isto?

_ É a grande escola preparatória de especialistas. O período letivo começa daqui três meses. Tempo suficiente para prepará-lo com o básico.

_ Então vou confiar em você Illik. – Disse Caliel se levantando para acompanhar o serviçal que já estava ao lado da porta. Caliel deu uma ultima olhada no local, eu fechou a porta que se tramou imediatamente atrás deles, fazendo Caliel perguntar:

_ Quanto tempo se passou desde que entramos lá?

_ Bem... Agora são 21:00 hrs., você desmaiou as 15:00 hrs. Logo foram umas 6 horas senhor. – Disse o baixinho colocando novamente no bolso o relógio de mão cromado.

_ Nossa o tempo passou rápido...

_ Realmente...

_ Iremos dormir agora?

_ Se o senhor desejar sim, mas acho jogar o jantar fora é uma covardia.

_ Jantar? Nossa, eu poderia sobreviver com o almoço uma semana inteira.

_ Aqui fazemos questão de lhe servir todas as refeições.

_ Ok, eu aceito, mas com uma condição.

_ E qual seria meu senhor?

_ Eu quero primeiramente que em todas elas os servos se sentem à mesa comigo e me tratem como um amigo, e quero saber uma coisa... Aquele conjunto de casinhas que eu vi ao chegar aqui são as casas dos empregados?

_ Sim senhor, aquelas são as casas dos empregados da mansão... Mas qual o seu interesse nisso senhor? Acha que elas estão atrapalhando a passagem? Podemos relocalizá-los.

_ Não. Eu quero conversar com algum empregado que more naquele local, preciso de saber uma coisa a respeito disso.

_ Tudo bem, estamos perto do laboratório, pergunte para o Químico da mansão, o doutor Vhrooem, ele vai saber lhe informar sobre as casas. – Disse Illik virando o corredor e indo em direção a uma porta esquisita, não muito alta nem baixa, porém de difícil passagem.

O mau cheiro se agravava a cada passo em direção ao fim do corredor, que se comportava como um funil, diminuindo de dimensão de acordo com que andavam. A atmosfera foi ficando mais e mais pesada, de um modo que Caliel sentia quase um medo decrépito. Como se estivesse abrindo uma antiga tumba em um cemitério de beira de estrada.

Finalmente Illik abriu a porta, que rangeu como em um filme de terror, o salão era escuro, e tinha poucas janelas, que dificultavam a visão e a respiração. Lá dentro havia uma quantidade incrível de tubos de ensaio e vidrarias, todas com líquidos brilhantes e chamativos.

De repente uma explosão preencheu o salão de fumaça – Que fez Caliel fechar rapidamente os olhos, protegendo-os contra aquela fumaça. – e um senhor de cabelos grisalhos e escassos saiu do canto mais escuro da sala carregando um vidro com uma pequena rosa dentro dele. Seu rosto e suas roupas estavam imundos, e ele foi logo tratando de se apresentar, com uma mesura cambaleante:

_ Muito prazer, meu nome é Napoleão! – E logo depois parece que ele perdeu as forças sobre seu corpo, e se não fosse por Illik teria caído diretamente em encontro ao chão. O baixinho o pôs deitado em um canto e disse a Caliel:

_ Ele é um gênio, mas assim como algumas pessoas daqui, ele é uma pessoa de pensamentos surreais, vamos esperar que ele desperte. – E antes que Caliel pudesse responder o velho se levantou rapidamente se pronunciando:

_ Perdão, perdão senhorita rainha... Não deveria ter sido tão rude com a senhora. – Disse o doutor acariciando o rosto de Caliel, que tentou se afastar, e percebeu que os olhos dele eram vidrados, como se estivesse possuído, isso somado com a atmosfera do local fizeram um frio subir por sua espinha.

_ Doutor, este é o novo senhor de nossa casa, Caliel, ele veio fazer uma pergunta para o senhor. – Falou Illik tomando um passo á frente.

_ Ah! Passarinho verde! Quanto tempo eu não o via! Mas sim, fale com a rainha que ela pode me perguntar o que quiser, afinal eu sou apenas um de seus vassalos. – Caliel queria evitar passar mais tempo ali e tratou logo de perguntar:

_ O senhor gosta da sua casa aqui na mansão?

_ Um soldado como eu poderia dormir até em cima de um poste senhorita! – Disse o doutor pegando uma vassoura e o batendo no chão como se fosse um porta-bandeira do exército.

_ Mas se o senhor pudesse, o senhor mudaria suas moradias aqui na mansão?

_ Bem senhora rainha, eu não ligo de dormir em qualquer lugar, porém gostaria de um observatório para poder namorar algumas estrelas... mas isso é só um desejo fútil.

_ Pois que assim seja. Illik, a mansão tem dinheiro suficiente para fazer moradias do jeito que os servos querem não é? Então pergunte a todos como queriam, e digam que a casa irá bancar tudo. Vocês foram muito gentis comigo, não quero que fiquem em cabanas como aquelas.

_ O senhor realmente é igual ao seu pai... hehe. – Disse Illik com um tom de brincadeira.

_ Mas se me permite perguntar algo doutor – retomou Caliel – Eu queria saber para que o senhor está com esta rosa na mão.

_ Ahh! Aguarde e verá minha rainha... Aguarde e verá. Agora tenho que por ela em uma incubadora, se me permite rainha... – Essa foi a deixa para Illik puxar Caliel para fora, antes que se prolongassem mais as coisas. Caminharam com Caliel tomando a frente, até o salão de jantar, o qual ele lembrou o caminho com exímia maestria.

Chegando lá, ele se deparou com todos os empregados de pé como antes, e no centro da mesa um grande frango assado, uma panela repleta de arroz a La piemontês. O aroma estava muito agradável, assim que ele chegou, todos abaixaram as cabeças e disseram juntos:

_ Perdão nosso senhor! – Irritado com aquilo Kael tratou logo de repreender aquela manifestação.

_ Por que estão se desculpando? - E a única serva que permaneceu de cabeça erguida, a mesma loura que o informou mais cedo onde estava a bebida lhe respondeu:

_ Eles não se acham dignos de desfrutar e compartilhar sua presença na mesa deles, por isso estão se desculpando. Eu acho isso uma perda de tempo. – Disse ela olhando para as unhas das mãos com uma cara de indiferença, que tratou de logo ser atacada por Illik dizendo:

_ Sua insolente, abaixe a cabeça, e olhe como fala com seu senhor... – E antes que pudesse continuar atacando-a, Caliel segurou o braço em riste de Illik e disse:

_ Não! Ela está certa, eu não quero ser um estranho aqui para vocês, que isso fique bem claro. Entrei hoje neste mundo, e vocês só melhoraram minha vida. Nada mais justo que tratá-los como iguais, se não até superiores a mim, por isso esta atitude dela é o que eu quero de vocês daqui em diante, eu não quero ser bem tratado só porque lhe disseram que sou seu senhor. Nem eu mesmo sei se sou isso, por isso, quero que me tratem como um amigo, e a partir de hoje peço-lhes que acatem este meu desejo, e em todas as refeições ou algo do tipo desfrutem comigo. E por fim, nada de cordialidade, pois eu acho isso muito complicado.

E mesmo com um olhar estranho, todos acataram aquilo tudo, como se fosse uma ordem. Caliel se sentiu aliviado, pois ele sabia que não era nada daquilo, e sua consciência clamava por um refresco, e essas ações para ele aliviavam a mentira que estava sustentando. Mas afinal, era conveniente para ele tudo aquilo. Foi assim dia após dia, Caliel conseguia extinguir passo por passo a hierarquia dos Boncheümmer. Sua rotina era de acordar, tomar banho, comer seu café da manhã, acompanhar e aprender o trabalho da maioria de servos que ele pudesse. Um dia com o jardineiro, outro com o pedreiro, outro com o criador dos animais. E com o tempo pode começar a ajudá-los, e se sentia cada vez mais, a cada aprendizado, parte daquele mundo, se sentia alguém.

Todas as tardes, Illik mantinha o ritual de ensinar-lhe mais e mais sobre todas as ciências que conhecia. Mas o desejo de Caliel, o que realmente lhe interessava, Illik dizia que ia introduzi-lo aos poucos.

Passados dois meses Caliel já tinha um imenso conhecimento geral e prático, e uma promissora capacidade analítica. Começou a ler e escrever o Alemão, o Inglês e o Francês. O italiano era um problema na pronúncia, mas estava aprimorando-o. Mesmo com as dificuldades, ele era um prodígio, pois qualquer outro levaria um período de anos para aprender tudo isso.

Mas a vontade de saber mais sobre os poderes e sobre aquele admirável mundo novo era vital para ele. Adquiriu com o tempo um hábito de tratar tudo como um enigma, e queria desvendá-lo. E naquela tarde ensolarada de quarta feira ele não conseguiu mais se conter:

_ Illik, chega de história, geografia e física. Eu quero saber o resto das técnicas. Lembro-me que nós paramos nas técnicas de pulsos elementares, você tinha acabado de explicar a técnica de água. E eu analisei a fundo essas duas técnicas e queria saber se minhas análises foram corretas também.

_ Você realmente é sedento por conhecimento garoto. Assim como o seu velho. Se esse é o seu desejo, vou te explicar hoje os outros dois elementos básicos, mas se lembre de uma coisa, nada em excesso é bom, se não você aprende tudo de uma só vez, e acaba não ficando bom em nada.

_ Ok, é só que eu estou muito curioso em relação a isso tudo. Por mim eu aprenderia como usá-las logo, mas você disse que ainda não tenho os poderes liberados, e que na escola eles tratariam disso. Mas mesmo assim, estou a duas semanas aqui, e ainda me sinto um completo estranho.

_ Com o tempo você irá se acostumar e adaptar, e para ajudá-lo a isso, vou terminar de te explicar hoje as técnicas de pulsos elementares. Eu já tinha lhe explicado terra e água, então vou lhe explicar as técnicas mais complexas, o fogo e o ar.

Começando pelo fogo. Você precisa saber primeiro como funciona um processo de combustão, ou o processo de “criação do fogo”. Então o fogo, ou se você preferir a chama se trata de duas “parcelas” diferentes, há a parte visível, que é a chama por si própria, e há a liberação de calor, a combustão. Geralmente um vem junto com o outro, como conseqüência da reação, mas já que as técnicas de pulso em suma têm uma função quase unânime, a militar, o que você deve treinar é a liberação de calor. Mas agora, como fazemos isso? Em geral as técnicas de fogo seguem a linha de raciocínio: Acúmulo de impulsos nas mãos, que atuam em locais diferentes do corpo. Uma delas fica em contato com o seu peito, infiltrando impulsos para dentro de seus pulmões e os “inflando” à sua capacidade máxima. Com isso já temos um acúmulo de oxigênio suficiente para sustentar a combustão, precisando então de uma faísca para ocorrer à reação. Essa faísca é gerada por atrito, que é justamente a parte mais complexa da técnica de fogo, pois você precisa de “dividir” e manter os impulsos fazendo coisas diferentes em cada uma das mãos, e em áreas distintas do corpo.

_ Hmm... Mas como a faísca é gerada?

_ Boa percepção. Como eu disse antes, geralmente faíscas são geradas no atrito entre dois metais, porém nós temos em nosso corpo uma estrutura peculiar: as cordas vocais, e para entender as técnicas de fogo, você vai precisar saber a peculiaridade dessa estrutura.

Segundo teorias de um biólogo e físico Sueco as nossas cordas vocais vibram por um motivo incrível, dentro das cordas vocais há moléculas que se movimentam em uma velocidade tão intensa, que para haver a tensão em tais estruturas para elas não arrebentarem há uma musculatura muito potente, capaz de vibrar muito mais as nossas cordas vocais. Por isso, nós usamos exatamente essas estruturas para gerar faíscas, obrigando-as a vibrar tão intensamente que se choque com outra.

_ Mas isso não é impossível?

_ Não, bem pelo contrário, nós as usamos somente para as técnicas mais básicas, há técnicas compostas, onde você usa até os dedos da mão para gerar faíscas. Mas por hora, somente o básico nos interessa, e agora que você já sabe a teoria por trás do fogo, vou explicar o processo de uso da técnica e como alimentá-la a fim de gerar dano a outras pessoas e objetos.

Primeiramente como alimentar a chama... É necessário algum tipo de líquido ou gás inflamável, mas é complicado você andar com combustíveis para qualquer lugar que você for. Por isso há uma síntese, ou seja, seus impulsos sinápticos introduzidos nos seus pulmões assumirão uma propriedade de negatividade em relação a alguns tipos de moléculas. São exatamente essas moléculas as constituintes do combustível, então você começará a inspirar o combustível da própria atmosfera.

_ Mas na prática, terei que ficar escolhendo-as?

_ Não. Basta pronunciar o nome da técnica e conduzir o fluxo até os pulmões e inspirar que haverá a síntese automática do combustível, que será soprado, e ao passar pela região da garganta onde as cordas vocais estarão gerando faíscas, haverá a saída de fogo pela sua boca.

_ Mas isso não irá queimar a minha garganta e boca?

_ Não, pois se trata de um fluxo controlado, não há dissipação do fogo, é como se houvesse um foco, o qual o fogo é condensado e dirigido até lá. Isso faz com que o fogo aja como um cone, não queimando o seu corpo em parte alguma. Mas ao sair de sua boca o fogo se depara com um volume a ocupar bem maior, e tende a se dissipar, com isso, poderia haver um refluxo do fogo para seu próprio rosto, queimando-o. Aí está o gran finalle da técnica, a outra mão que não foi usada ainda serve como uma condutora, ou seja, você a posiciona ao lado da saída do fogo, criando uma espécie de “rede” que molda o fogo assim que ele sai de sua boca, dando a ele forma, e controle total.

_ Nossa, mas deve ser uma técnica muito difícil de ser dominada.

_ É uma técnica realmente demasiado complexa, principalmente no que se trata da sincronia das duas mãos. Eu por exemplo, demorei muito tempo para controlá-las, mas ela não é a técnica de controle mais difícil. Vou te explicar agora a lógica das técnicas de ar, começando por uma pergunta: Você percebeu alguma relação entre matéria disponível para o uso das técnicas elementares e a dificuldade de uso das mesmas?

_ Não vi relação alguma... Eu lembro que você me ensinou o uso de análise matemática, mas não consegui enxergar nenhuma co-relação de fatores.

_ Bem, é normal, aliás, você até usou esse tipo de pensamento para isso, você realmente é promissor, mas a relação é bem simples de ser percebida. Trata-se de uma proporção inversa, ou seja, quanto maior a disponibilidade de matéria para o uso da técnica, mais fácil o controle da mesma, com exceção do ar.

_ Mas eu pensei que o ar era a técnica mais fácil de controlar, por ser a matéria mais “leve”, mas parece que eu estou errado né?

_ Como eu havia lhe dito, o ar é uma exceção, pois todos os outros elementos estão em contato conosco, no caso da terra e da água, muitas vezes estamos em cima deles, mas o ponto é que há uma linha tênue que delimitam esses elementos, ou seja, se você decidir andar em cima de uma porção de terra chega um momento que haverá uma troca, entre terra por água, mas o ar não funciona bem assim. Porque nós estamos “no” ar, e não em “cima” ou “abaixo” dele, resumindo, pelo fato de ele ser homogêneo ( a atmosfera ) e não ser sólido, a manipulação de técnicas de ar envolvem um controle de impulsos minucioso, pois devido a quantidade incalculável de material disponível, toda sua energia pode se dissipar muito rapidamente.

_ Espera! Você não havia me explicado ainda sobre o gasto de energia. – Indagou Caliel curioso.

_ Calma garoto! Já vou te explicar tudo em sua respectiva hora. Mas voltando ao assunto, a técnica de ar tem um mecanismo simples, no entanto o que a torna a técnica mais difícil é exatamente o controle, que é muito minucioso. Primeiramente a união de palmas de mão, ou, agora que você já escutou várias vezes, a abertura da fenda, como dizem os especialistas mais avançados, acumulando impulsos nessa área com uma separação lenta das mãos para expandir a fenda, fazendo um tipo de “recipiente” impulsório, como se fosse uma esfera, que com controle e concentração enorme, haver a abertura de um pequeno buraco em sua superfície, visando a entrada de mais ar.

_ Não é tão difícil assim... Homenzinho rabugento – Disse Caliel com uma postura infantil.
_ Você está engano menino, pois você desconsiderou dois fatores. Primeiro qualquer perturbação rompe o recipiente, e segundo, como controlar essa porção em especial de ar no meio? Respondendo esses fatores... Basicamente trata-se de “encharcar” molécula por molécula de ar dentro do recipiente por impulsos seus, logo, o movimento pode ser aumentado, e em um instante, essa mesma porção que você controla estará a KM de distância se você quiser. Só não pode haver dissipação de impulsos, logo, quanto maior a distância, maior a sua concentração, e a chance de haver falha.

_ Ah! Realmente deve ser difícil ter esse controle, mas agora eu já sei os quatro elementos, e o uso de energia? Por favor, me explica Illik! – Disse Caliel fazendo uma cara de piedade, sendo rapidamente repreendido por Illik:

_ Não! Por hoje chega amanhã lhe explicarei sobre técnicas de portal, e até o fim da semana já terei lhe explicado sobre o gasto de energia e os danos que as técnicas causam para o corpo, pois sua aula começa já na outra semana. Por hora, tome o resto da tarde para conversar com os outros criados, já que você gosta disso. Tenho que fazer algo pelo resto do dia, até mais.

Caliel ficou parado no salão observando Illik sair pela grande porta. Ele pensou e pensou, e o que ocupava sua mente no momento eram exatamente aquelas palavras: “pois sua aula começa já na outra semana.”... Outra semana... Finalmente tinha acabado todo aquele sonho que ele havia vivido, eles iam o descobrir e ele não poderia mais retornar ali, mas ele estava crente de que faria algo para permanecer o máximo de tempo que conseguisse. O fato de tudo aquilo ser inacreditável, não o impressionava mais, pois ele havia visto o uso de técnicas com seus próprios olhos, e havia ficado claramente seduzido por aquele mundo todo.

Refletiu profundamente sobre o rumo que a vida dele tomou, de repente ele tinha uma vida, e uma vida incrível. Saiu do salão e se moveu até o jardim onde Pablo estava cuidando de um montinho de flores abaixo de uma imensa árvore, intrigado Caliel foi até lá, e se se encostou a uma cerejeira, quando Pablo disse:

_ São lindas não são? ... Eu cuido dessas camélias dia após dia, e só agora depois de quase um ano de carinho elas floresceram...

_ Mas Pablo, no outro dia eu vi você cuidando daquela Palmeira usando uma técnica, porque não usou uma para florescer essa flor também? Ela é algum tipo de flor especial?

_ Sim, ela é especial, mas não é imune ao uso de técnicas do elemento terra como você está pensando...

_ Então porque você não a floresce rápido usando alguma técnica de terra ou água como você mesmo disse?

_ Pelo mesmo motivo que eu volto para minha casa caminhando e não correndo.

_ Para não gastar energia?

_ Não meu jovem rapaz... Mas simplesmente para desfrutar dos pequenos momentos da vida. Cal, nós sabemos que você está muito empolgado com tudo isto que você está vendo aqui, mas não faça como alguns especialistas e use sempre técnicas para tudo, ação ou atividade qualquer que faça. Tudo fica tão fácil que ele vai esquecendo a graça da vida, que está no florescer desta planta por exemplo. – E ambos ficaram observando a planta pelo resto da tarde, soltando pequenos comentários espirituosos uma vez ou outra.

Jantou a noite, mas sentiu falta do baixinho, que não tinha voltado do compromisso para qual ele saiu correndo. Caliel achou estranho, pois, por mais que ele não demonstrasse, Illik tomou papel de seu primeiro amigo verdadeiro, afinal eles não deixavam de se ver um só dia.

Ele procurou o senhor Boris, o velho mordomo que agora cuidava do armazém da mansão. A noite estava nublada, e a lua banhava o céu com uma tonalidade avermelhada, era um fenômeno lindo, porém não deixava a atmosfera menos aterrorizante. Chegando no armazém Caliel percebeu a presença de alguém no telhado, com algo que se assemelhava a um bastão. Ele tinha quase se esquecido do comentário de Illik sobre o velho: “A pessoa mais sábia e excêntrica daqui”.

Com um notável esforço Caliel subiu os degraus da escada estreita que levava ao topo do galpão de tijolos escuros de fuligem, proveniente da armoaria ao lado. Já no topo ele notou que se tratava de um bastão de metal com uma pequena esfera na ponta, a qual Boris não parava de balançar nem por um segundo, levando Caliel a perguntar:

_ O que o senhor está fazendo? – Boris respondeu ofegante:

_ Uma tempestade vem se aproximando, e eu não quero perder os raios frescos.

_ Mas o que o senhor está fazendo com esse bastão?

_ Eu vou tentar pescar uns raios ariscos hoje...

_ Pescar os raios?

_ Sim! Hoje em dia raios enlatados estão caros. E o ferreiro precisa de raios naturais e saudáveis para forjar um presente para você.

_ Para mim? Mas não precisa...

_ Mas ele é muito grato por você ter salvado a filha dele do poço outro dia.

_ Aquilo não foi nada, eu só estava passando por perto e ouvi alguém chorando, e quando verifiquei, ela estava dentro do poço. Não foi nada que ninguém não faria.

_ Mesmo assim ele lhe quer fazer isso. Mas para que você veio até aqui?... Certamente não foi para escutar um velho...

_ Ah sim, eu vim até aqui pois Illik me disse uma vez que o senhor sempre sabe tudo o que acontece aqui na mansão e nas redondezas.

_ E o que o senhor quer saber?

_ Bem, é que o Illik saiu mais cedo dizendo que ia resolver um problema, mas disse que de noite ele com certeza já estaria de volta.

_ Eu sei o que Illik foi fazer. Ele passou aqui antes para pegar alguns suprimentos. Mas eu acho estranho, pois ele não deveria demorar muito, mesmo sendo um trabalho perigoso, ele já deveria ter retornado.

_ Você poderia me dizer o que ele estava fazendo?

_ Ele estava transportando um bem precioso, não posso falar o conteúdo, mas posso lhe dizer o destino: a cidade central de Wolke, no estado do vento.

_ A pessoa que receberá, é alguém importante?

_ Não é alguém a se desconsiderar... Mas não fique preocupado, amanhã ele já deve ter voltado, vá dormir em paz jovem!

_ Ah! Se é assim eu vou dormir então, mas se ele não chegar até amanhã a tarde eu voltarei. Boa noite e boa pescaria.

_ Obrigado, jajá começam a cair os danadinhos! – Logo depois Caliel desceu as escadas e foi um pouco mais calmo para a cama.

Em seu sonho ele se via em um lugar amplo, como uma planície, porém ele não via nada. Suava e gemia se remexendo na cama. Até quando finalmente se viu com sangue nas mãos, a atmosfera ao seu redor ficou mais fria e pesada, gerando uma sensação desesperadora, que acabou logo quando ele acordou ofegante.

Já era de manhã, mas não era o horário que ele costumava acordar todo dia, era bem mais cedo, então Caliel tomou um banho e saiu pela mansão à procura de Illik, mas ao passar por um dos quartos inferiores ele parou perplexo ao ver pela greta da porta de um deles aquela mesma garota que o respondera no primeiro banquete.

Ela estava de costas com uma calcinha cor azul clara, que delineava bem o volume de suas pernas, Caliel nunca havia visto algo tão bonito, suas pernas começaram a tremer, e ele sentiu seu sangue esvaecendo de seu corpo, dirigindo-se a suas virilhas. Ela estava pegando suas roupas, e foi até o canto do quarto se abaixando para pegar a saia de seu uniforme, levando Caliel a sentir-se extremamente excitado. Sua vontade era de ir ao seu encontro e agarrá-la, mas ele foi surpreendido por alguém que vinha pelo corredor, fazendo-o pular de cara no cesto de roupas sujas.

Mesmo estando imundo novamente, ele se sentia muito bem, aquela imagem não saia de sua cabeça. Ele estava com o corpo quente, e seu coração quase lhe saia pela boca de tão palpitante. De repente ele sentiu algo em seus pés, e de uma vez foi puxado com força suficiente para fazer sua cabeça rodopiar. Se encontrando estatelado no chão, ele só ouviu uma voz dizendo:

_ O que você está fazendo aí?

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