Capítulo 6 - Instrução



A sua cabeça ainda ecoava devido ao choque que tivera com o chão, mas mesmo assim ele conseguiu abrir os olhos assim que escutou aquela voz. Um senhor estava de pé á sua frente. Este, diferente de todos os outros servos, Caliel não conhecia, ele usava uma camisa de mangas curtas que deixavam os imensos músculos de seus braços expostos, era um homem extremamente alto, que chegou a assustar Caliel, que por impulso se afastou no chão até bater a cabeça na parede atrás de si.
_ Quem é você? Um intruso? Responda Garoto, se não acabarei com você com as minhas próprias mãos.
_ Eu é que deveria perguntar isso, eu sou Caliel Boncheümmer, 7º herdeiro da casa Boncheümmer. – Disse Caliel se lembrando bem do título de nobreza que Illik o havia ensinado para situações como essas.
_ Você é o herdeiro? – Disse o imenso homem arrumando suas roupas e prestando continência. – Me perdoe senhor, eu sou o armeiro da casa dos Boncheümmer, Roy Ford.
_ Mas se você é o armeiro... – Disse Caliel se levantando do chão – Como eu nunca te vi aqui antes?
_ Bem... Além de armeiro desta nobre casa eu sou o General da 5ª Brigada do exército federal. E tivemos um sério problema em um país aliado, por isso precisamos intervir. Mas já estou de volta, aliás, encontrei com Illik no meu caminho de volta e ele me mandou um recado para você.
_ Então ele está bem?
_ Sim, mas ele não voltará por alguns termos circunstanciais. O recado dele é o seguinte. – Disse o homem entregando um pedaço de papel escrito á mão a Caliel, que dizia:
“Caliel,
Eu me atrasei no meu compromisso, e suas aulas estão chegando, por isso eu instruí o Roy a guiá-lo, e ajudá-lo a comprar os materiais para a escola.
Tudo que eu tinha para lhe ensinar já ensinei, e eu acho que você irá trazer muito orgulho para essa casa. Nos vemos nas férias de meio de ano, e lembre-se:
“Seu caminho você constrói”
Illik.”
_ Nossa, ele havia dito que voltaria para fazer essas coisas comigo... Roy posso lhe fazer uma pergunta?
_ É claro.
_ Você acha que ele vai ficar bem?
_ Isso é óbvio. Pode não parecer, mais Illik é um homem muito habilidoso, não creio que ele vá se machucar, ele disse que você poderia ficar assim, e que eu lhe deveria instruir a pensar na escola agora. Por isso nós vamos às compras agora, eu estava me dirigindo ao seu quarto para lhe acordar, mas parece que você já está desperto, isso agiliza bastante as coisas.
_ Mas nos vamos aonde assim tão cedo?
_ Temos que comprar seus materiais escolares, Illik já me deu todo o dinheiro que gastaremos para comprar do melhor para você.
_ E onde iremos comprar isso, aqui não tem o que precisamos não?
_ Não, tem muito tempo que alguém desta casa vai para Bongor, logo, precisamos comprar tudo novo para você. Por isso estamos indo para o país da água para comprar tudo no Mercado do Hexágono Oculto.
_ Nossa! Os únicos lugares que conheço são aqui e a casa de Gondolous, espera só eu trocar de roupa que já podemos ir.
_ Claro, irei esperar no salão principal, vou pegar os mantimentos para a viagem. – Assim dito Caliel tratou de subir correndo as escadas, totalmente empolgado com tudo aquilo que chegou até a esquecer a sua preocupação com Illik.
Colocou a roupa que tinha recebido da camareira na semana passada, qual ela dizia ser uma veste para ocasiões especiais, calçou sua bota, vestiu a calça jeans e o moletom e tratou de descer as escadas tão rapidamente quanto havia subido. Chegando no salão principal a empolgação emanava de todo seu corpo, ele estava ofegante pela velocidade que assumiu, e nem percebeu que a mesma menina daquela manhã estava no salão ao lado de Roy, só foi perceber isso ao se acalmar um pouco, e perguntou o que tinha dúvida a algum tempo:
_ Ei, eu sempre vejo você aqui, mais nunca soube, qual é seu nome?
_ Meu nome é Mary, seu mole... Digo... senhor. – Respondeu a loira com o rosto vermelho, após de olhar para o rosto de Roy, que permaneceu com o mesmo sorriso sob seu grande bigode, que oscilou quando ele começou a falar:
_ Bem, então irei esperá-lo lá fora senhor, ande logo, temos muito que fazer hoje.
_ Tudo bem. – Disse Caliel com os olhos ainda fixos na loira, que retribuiu a ação de forma altiva, com certa arrogância, levando Caliel a se irritar e apaixonar. – Porque você não gosta de mim? Eu Fiz algo para você? – Indagou o garoto.
_ Você não me fez nada por sua vontade, mas que eu saiba, sou obrigada a servir esta casa, não a gostar do senhor.
_ Não fiz nada por minha vontade, mas isso não cancela o fato de eu ter feito algo para você, por favor, me diga.
_ Infelizmente não tenho permissão para falar-lhe sobre isso, me desculpe, mais vou voltar ao meu trabalho. – Foi o que Mary falou girando sob seus calcanhares e andando em direção à porta de trás da mansão. Quando ela fez aquilo seu vestido rodou voando por cima de suas coxas, mostrando suas roupas íntimas, fazendo Caliel se lembrar daquela manhã, causando-lhe um sangramento nasal, evidenciado por gotas de sangue caindo no chão à sua frente. Ele tratou de limpar logo com a manga da camisa, que era escura, então não apareceria a mancha, e foi para o lado oposto, na direção por onde Roy havia saído.
Chegando lá fora Roy colocou várias bolsas no chão ao seu lado, e perguntou em voz alta:
_ Senhor, já podemos ir? – E Caliel querendo demonstrar conhecimento disse:
_ Claro, mas como você irá colocar tanta coisa em uma moto?
_ Moto?
_ Ora, Illik invocou uma moto voadora para me trazer para cá, estas bolsas todas não caberão em uma similar. – Nesse momento os olhos escuros de Roy começaram a lacrimejar e ele começou a rir abraçando sua barriga.
_ Garoto, você é bastante inusitado... Hahahaha! ... Bem, deixe-me explicar da melhor maneira possível, pois me disseram que você sofreu amnésia. Bem a técnica que Illik usou é uma técnica de transmutação de veículo voador, aquela é a moto dele. No entanto, assim como os elementos, que Illik lhe explicou, cada pessoa forja certo tipo de veículo de acordo com sua personalidade, como uma questão de preferência, quando chegar a hora você também passará por esse processo de forja.
_ Como você sabe o que Illik havia me explicado?
_ EU LHE EXPLICO UM PROCESSO AVANÇADO DE INVOCAÇÂO E VOCÊ PREOCUPA SOMENTE COM ESSE FATO PEQUENO? – Disse Roy com uma feição nervosa, levando Caliel a se encolher – Ah... Mas você é só um garoto ainda... Bem, como Illik é um rapaz pequeno e ágil ele logicamente teria como veículo uma moto voadora, eu, diferente dele, sou mais pesado.
_ Mas espere, todos aqui tem um veículo surreal como esses?
_ Não, a técnica de forja de veículo é muito avançada, de nível Pentóide, tem que ter uma incrível sincronia com seus impulsos, por isso só alguns poucos têm esses veículos.
_ Então como você sabe que eu irei chegar a ter um destes veículos?
_ O senhor é um nobre, tem um nível de pureza acima do normal, sua sincronia já é naturalmente aguçada, não há um nobre que não tenha forjado um veículo. Mas isso é um assunto a ser tratado mais a frente, você será instruído talvez até na própria Bongor.
_ Então qual é seu veículo? Você não disse.
_ Bem, eu sou um pouco mais experiente que Illik, e no exército nós aprimoramos um pouco nossos veículos, por isso é melhor você ver. Se afaste, por favor – E então Caliel tomou uma boa distância de onde Roy estava, e mesmo estando tão distante Roy gritou para ele se afastar mais. Caliel se impressionou com a proporção que aquilo iria tomar, e estava extremamente ansioso, mesmo de tão longe ele conseguiu escutar Roy falando:
_ Technique de Vestibule - invoquer du véhicule incassable – O que ele fizera com as mãos foi igual o que Illik fez ao invocar sua moto, mas diferente do processo anterior, o círculo que entrou no chão começou a brilhar em uma intensidade que as rochas que estavam próximas flutuaram. Um tanque de guerra parecido com um Mark V imenso apareceu na frente dos olhos de Caliel, deixando-o mais perplexo ainda. Aquilo era incrível, era imenso, era magnífico, só de olhar ele já se sentia intimidado. A esteira lateral era bem maior que seu corpo inteiro, ele era capaz de tranquilamente ultrapassar qualquer edificação da mansão sem problemas.
Roy entrou pela escotilha superior e chamou por Caliel, que ainda estava pasmo com tudo aquilo, ele se sentia totalmente deslocado, lhe lembrando que não fazia parte daquele mundo incrível. Diferente do que ele tinha pensado o interior não era tão “sólido” quanto o exterior do veículo, aliás, era bem confortável, tinha uma boa iluminação, e uma grande tela que reproduzia o exterior.
Subitamente o senhor Ford ligou o imenso tanque, que emitia um som estridente e bruto, tão bruto que lembrava Caliel de um tufão. Roy lhe perguntou:
_ Então? Gostou da minha belezinha?
_ Nossa, é tão grande e imponente, mas deve gastar uma energia tremenda para levar tanto peso pelo ar.
_ Quem disse que vamos pelo ar? – Disse o homem dando uma piscadela com o olho esquerdo, abrindo a fenda e pronunciando o nome da técnica:
_ Technik des Impulses – Mole immense Metall – Fazendo um grande estrondo que fez Caliel observar com os olhos arregalados o monitor, que mostrava terra, e raízes. Mesmo depois de todas as coisas incríveis que ele presenciou naquele lugar aquilo era demais, eles estavam entrando mais e mais no interior da terra, passando por animais subterrâneos até caírem em um grande túnel, repleto de sinalização, era como uma rua cheia de uma metrópole, com veículos similares transitando em ambas as direções. Caliel perguntou:
_ Onde nós estamos?
_ Essa é a rota subterrânea do exército, todos aqui são especialistas federais e prestadores de serviço para o exército, é um dos modos mais rápidos de viajar para usuários de veículos terrestres. Pode relaxar e olhar em volta no caminho, que a viagem durará poucos minutos. – E assim foi Caliel observando cada parte daquele mundo, eram veículos incríveis, longos, largos, pequenos, que iam para todos os lados como pequenas formigas, as placas eram bem luminosas, indicando o caminho para cada país e cidades. Os veículos saiam por tubos metálicos que levavam a superfície, que ficavam espalhados por todos os cantos. Roy tomou o rumo do tubo subterrâneo 4-13, que os levou diretamente para uma estação do exército no mercado pentagonal, onde eles deixaram o veículo e seguiram a pé.
Um extenso corredor tinha no fim de sua extensão uma luz, a qual Caliel presumia ser do sol. A viagem tinha sido empolgante, e ao passarem por um grupo de soldados todos bateram continência e disseram em grupo “Bom dia General Ford”, o qual o imenso homem respondia com um caloroso: “Bom dia recrutas” e um sorriso no rosto. Mesmo sendo um homem de físico tão escultural e rude, ele portava sempre de uma educação impecável, que ultrapassava os limites de seu interior emanando nos sorrisos calorosos que ele sempre esculpia em seu rosto moreno, por debaixo do bigode e da sobrancelha grossa.
Ao se acabar o túnel, eles saíram para o abraço do pai sol aos seus pequenos filhos que lotavam a grande cidade de Kribbeln, tudo aquilo fazia jus ao nome da cidade, realmente se tratava de um formigueiro de pessoas. Mercadores gritando em cima de caixas amontoadas, mulheres procurando seus filhos no meio da multidão, lojas com extravagantes entradas, todas regidas pela bela arquitetura branca e limpa das cidades do país da água. Um humano qualquer ao ver a imagem, com certeza confundiria com uma cidade mercadora grega.
Cal achou tudo aquilo ao mesmo tempo irritante e lindo, mesmo em Frankfurt, quando freqüentava lugares com várias pessoas ele era rapidamente perseguido por um segurança enraivecido obrigando-o a deixar o local. A água do mar batia nas rochas que protegiam a cidade do poder avassalador das ondas. Roy o instruiu a não sair de perto dele, e entregou-lhe uma lista, onde continham os materiais requeridos pela escola para que cada aluno portasse. A carta com a lista era enviada as famílias dos alunos que tinha a seguinte descrição:

Os alunos do primeiro ano da Escola Bongor De’Grinn deverão apresentar no primeiro dia de aula os seus materiais de uso pessoal para desempenho satisfatório durante o ano, tais materiais datam de :
. Materiais de higiene pessoal
. Roupas de baixo e pijamas
. Um amplificador de fenda sináptica
. Um conjunto de tubos de ensaio
. Uniforme de verão
. Uniforme de inverno
. Se desejar, trazer uma esfera alada
Após ler aquilo tudo, alguns itens ficaram em sua cabeça, por mais que ele quisesse não tinha como saber o que eram. Como Roy pediu, ele leu em voz alta a lista para ele fazendo-o fazer uma expressão de pensativo e falar:
_ Bem, vamos comprar primeiro o seu amplificador de fenda, é o item mais importante da lista, para comprá-lo iremos ao Siegfried, ele é sem dúvida o melhor Ferreiro de todo o continente, vamos, é logo ali naquela porta azul. – Roy apontava para uma portinhola redonda e baixa, a qual dificultou a passagem de Caliel, que ficou impressionado ao ver que Roy o seguiu e conseguiu entrar na casa. Lá dentro todo o ar de claridade e frenesi da cidade foi amenizado pelo ambiente gelado e escuro, porém incrivelmente organizado. Roy foi entrando e gritando: “Sieg saia do buraco onde você está homem! Um velho amigo veio com um cliente” , em resposta uma sombra começou a se mexer por detrás das cortinas que separavam os cômodos, um anão gordo e incrivelmente forte, com uma barba lisa e ruiva, e expressão forte saiu resmungando algo, e parou imediatamente quando viu Roy em pé na sua frente.
_ Ora ora, veja o que os ventos me trouxeram, Punhos Fortes, ou deveria dizer Coronel Ford. Que honra recebê-lo aqui velho amigo.
_ Siegfried, Mestre do Aço, realmente faz muito tempo meu amigo, tanto tempo que você nem sabe da minha promoção.
_ Você foi promovido novamente?
_ Sim, agora sou general da 5ª Brigada, mas não vim sob missão do exército hoje, vim sob missão para a casa Boncheümmer, conheça o novo herdeiro: Caliel. – Nesse momento Caliel arrumou um pouco suas roupas e ficou com uma postura mais ereta, tentando se afirmar em meio àqueles dois homens fortes.
_ Muito prazer senhor Boncheümmer. Só tive a honra de conhecer um de seus familiares, aliás, foi semana passada, aquela menina loira... Qual seu nome mesmo...?
_ Mary? – Disse Caliel impressionado por ter lembrado justamente da criada loira, qual descobrira o nome naquela manhã.
_ Sim, esta mesmo, aliás, ela parecia um pouco desapontada com algo, ela tinha encomendado um ampliador de fenda sináptica, aliás já tinha até pago ele com o próprio dinheiro, e de repente ela ligou cancelando a encomenda.
_ Roy, era sobre isso que você estava falando com ela hoje? E como assim ela é uma familiar minha, ela não é só mais uma criada? Por favor, não minta para mim... – Disse Caliel mais confuso do que nunca.
_ Bem senhor, não estava autorizado a falar sobre este assunto, mais como é uma ordem do senhor, não há como eu negar. O nome completo dela é Marianne Lhushz Vast Boncheümmer, ela é tecnicamente sua irmã bastarda, poucos sabem mais antes de seu pai partir ele engravidou uma das criadas, com a qual ele mantinha relações secretas, e como sua mãe já havia morrido, não teve tanta repercussão, e para demonstrar sua sempre grande generosidade ele decidiu deixá-la como herdeira até a volta de seu filho, com isso ela era sempre tratada como a herdeira, no entanto, tinha que trabalhar na casa para pagar suas próprias contas. Era para ela ir para Bongor este ano, no entanto, com sua chegada a casa passa a pagar somente sua estadia lá.
_ Espere... Por isso ela me trata daquela maneira? ... E eu nem sabia – Caliel começou a andar de um lado para o outro, e disse de repente: - Não, isso não está certo, a casa pode pagar pela estadia dela também não pode?
_ Sim senhor, mais esse dinheiro é somente para o senhor, e não para uma filha bastarda, isso nunca aconteceu antes.
_ Mas agora irá acontecer. Ela é mais merecedora desta vaga que eu, então, por favor, ligue para a casa e diga a ela que ela também irá para a escola sob conta da casa, por favor?
_ Mas senhor...
_ Roy... Estou lhe pedindo como um amigo, por favor, isto vai me deixar com a consciência muito mais leve – Disse Caliel se lembrando que não fazia parte daquele mundo, e tomando conta da injustiça que estaria cometendo.
_ Se é assim... Eu o farei meu senhor, mas vamos comprar logo seu ampliador de fenda, porque ainda temos um longo dia pela frente.
_ Opaa! Falando em ampliadores de fenda é comigo mesmo – Disse Siegfried que até o momento estava brincando com a ponta dos fios de sua barba – Se é um ampliador para um nobre vou ter que caprichar, você tem alguma preferência senhor Caliel?
_ Bem, eu nem sei o que é este ampliador ainda, então faça do jeito que você achar melhor...
_ Esta é minha especialidade, espere um momento que vou buscar os materiais e já lhe entrego.
_ Rápido assim?
_ Sim – Disse Ford – Siegfried é um dos maiores especialistas em forja do mundo todo, você verá, e você perguntou o que é o ampliador de fenda sináptica, é um tipo de “luva” condutora, que os especialistas novatos usam para conseguir induzir o corpo a fazer as técnicas.
_ Hmm... Então ele irá fazer uma aqui na hora? Tô até querendo ver... – Neste exato momento Siegfried saiu da portinhola com um avental em seu corpo, e uma barra grande de um metal brilhante, e algumas pedras verdes translúcidas, as quais Caliel julgou impressionado se tratarem de esmeraldas. Colocando tudo aquilo no chão, Siegfried chamou Caliel e pediu que ele se sentasse em uma cadeira que se encontrava do outro lado da pequena loja.
_ Bem, agora eu preciso que você fique totalmente imóvel durante todo o processo. Coloque seus dois braços para frente e mantenha-os firmes a esta altura. – Disse o anão ajustando a altura dos braços de Caliel. – Agora vou começar, por favor, não se mecha e evite falar. – Dizendo isso o Anão pegou uma tira de pano e envolveu cada braço de Caliel nela, deixando-os brancos como algodões devido ao nobre tecido. Logo após fazer isso ele pegou a barra de metal brilhante e a colocou no chão em sua frente. Batendo as palmas das mãos ele pronunciou de modo bem audível:
_ Technik des Impulses – Metall Schneidmesser – E em um súbito movimento um feixe brilhante escapou do encontro de suas palmas e partiu em um só movimento a barra de metal em duas partes. Mas devido a voz rouca e imponente do Anão, quando ele usou a técnica Caliel segurou a cadeira assustado, causando gargalhadas em Roy que se apoiou na bancada observando aquilo tudo.
Siegfried pegou então uma parte do metal cortado e colocou logo ao lado do braço esquerdo de Caliel, e novamente unindo as palmas das mãos ele pronunciou:
_ Technik des Impulses – Wrap Metallic menschlichen Arm – Fazendo com que o metal assumisse uma consistência gelatinosa que revestiu toda a mão e o antebraço de Caliel. Siegfried manteu uma das mãos “segurando” a técnica, e com a outra pegou duas das pedras verdes e colocou sobre a palma da mão de Caliel, e com uma maestria incrível pronunciou:
_ Technik des Impulses - Extraktion des Wesens des Edelsteins – Que levou as pedras a começar a brilhar ofuscando a visão de Caliel, que se fundiram em um tipo de placa esférica, a qual Siegfried posicionou meticulosamente na palma de Caliel. Finalmente o anão partiu para a última etapa da forja, dizedo:
_ Technische Puls Verbindung - Fusion von Teilen der Siegfried – Unindo novamente as duas palmas de mão Siegfried fez um tipo de fusão dos processos, o qual resultaram em uma manopla brilhante e detalhada, com pequenos frisos nas laterais, e uma palma da mão verde e translúcida, como se fosse um cristal. Siegfried ordenou que Caliel testasse a mobilidade da manopla, o qual respondeu mexendo os dedos freneticamente:
_ Incrível, é como se minha mão estivesse nua. Só a aparência já dá um aspecto de ser algo grosseiro e pesado, mais não sinto nada disso, é totalmente móvel, que impressionante Siegfried.
_ Então me deixe terminar fazendo uma réplica. Por favor, retire o amplificador para eu cloná-lo. – Obedecendo Caliel retirou a luva com uma leveza indiscutível, e entregou a Siegfried, que pronunciou novamente em tom bem audível:
_ Technische Puls Verbindung - Klonen von Siegfried – E com um brilho ofuscante apareceu uma réplica perfeita da luva, a qual siegfried mudou a posição dos polegares com um movimento rápido do dedo indicador, e as entregou a Caliel com um sorriso no rosto, dizendo:
_ Aqui estão seus amplificadores sinápticos, creio que serão muito bem satisfatórios, usei os meus melhores materiais. Vamos, teste-o.
_ Mas senhor, eu não sei usar técnica alguma...
_ Use uma técnica elementar, vejamos, está vendo aquela pedra ali em frente? Vista os amplificadores e bata as palmas das mãos pronunciando:
_ Technik des Impulses – Projektil Earth , Aí você sentirá um tipo de formigamento nas palmas das mãos, e somente aponte as mãos para aquela pedra solta.
Caliel se encontrava em um impasse, ele sabia que não tinha aqueles poderes formidáveis, e ele pressentia que seu sonho finalmente chegara ao fim. Agora ele não poderia negar, pois ambos, Roy e Siegfried estavam ansiosos olhando para seu desempenho. Fechando os olhos com medo do que estaria por vir ele vestiu as luvas e disse em voz alta:
_ Technik des Impulses – Projektil Earth – Mas um formigamento estranho desceu por seu braço, era como se estivesse sendo atacado, doía e ele não sabia o que fazer com aquilo tudo, de repente tudo se intensificou, e obedecendo as ordens de Siegfried apontou as mãos para a pedra. Mãos essas que começaram a brilhar incrivelmente, não que ele não tivesse visto aquilo antes, mas ele não imaginava que poderia fazer isso, e como se fosse um especialista de verdade pensou exatamente em expulsar aquilo de seus braços, com tanta força que um impulso cor violeta saiu da palma de suas mãos, jogando-o para trás. Com um rápido movimento Ford o segurou antes que batesse com muita força na parede. Ele desmaiou, e Ford ficou impressionado ao perceber que ele tinha feito com que aquela pequena pedrinha provocasse um dano imenso na parede. Ambos estavam perplexos com aquilo tudo, e Caliel desmaiado no chão daquela pequena loja.
Roy pensou consigo mesmo: “Será este o nascimento de um herói?”

Capítulo 5 - Explicações


“_Podemos ser chamados de Especialistas, esse nome foi atribuído a nós pelos quatro puros, os nossos antepassados originais. Ainda não se sabe ao certo como eles obtiveram seus poderes, só sabemos que eles foram os primeiros, seus nomes e títulos: Yuseff Boncheümmer, mestre dos pulsos, o patriarca de nossa família. Giovanna Fiorentini, a manipuladora. Claude De’Goulle, o criador de portais e por fim Evelyn Grinn, a premonitora.

Mais você deve estar se perguntando o que são, e como obtemos os poderes, na verdade ainda não conseguimos descobrir como os puros obtiveram os poderes, mas sabemos que eles são provenientes de uma mutação no DNA que dá o controle a nós da porção do nosso cérebro responsável pelo sobrenatural.

Já que você não deve ter entendido muito bem, vou explicar como é o mecanismo. Quando você move o seu dedo, o seu cérebro libera um estímulo nervoso que percorre todo seu braço e contrai seu músculo, e seu dedo se move. O que nós fazemos não é nada além de controlar esses impulsos em algumas áreas de nosso corpo, nós controlamos as Sinapses. ”

_Tá bom, isso eu entendi, mas o que esses impulsos tem a ver com você fazer aparecer aquela moto, e soprar fogo pela boca? – Indagou Caliel.

_ Calma, já vou explicar isso. Primeiro eu vou explicar parte por parte. Como eu disse antes os quatro puros tinham, cada um o poder de controlar uma área dessas, e nós herdamos isso deles, mas diferente do poder puro que tinham, nós temos a liberação de partes das quatro áreas, sendo chamados de impuros, frutos da miscigenação, por isso conseguimos usar todas as técnicas, mas nosso poder nunca se igualará ao deles.

_ Quais áreas são essas?

_ Eu já ia explicar, elas são divididas em quatro, como eu havia lhe dito antes... Os pulsos, Portal, Manipulação e Premonição. Essa semana vou tentar te explicar o básico de pulsos, afinal é a técnica de nossa família. E você ainda não é liberado, mas você precisa saber o básico para a escola.

_ Escola?

_ Calma, calma... Vamos por partes, primeiro vou te introduzir o que são os pulsos e como usá-los.

Os pulsos consistem no uso de seus impulsos nervosos interagindo com o meio, isso é basicamente fazer com que os impulsos de dentro do seu corpo sejam canalizados e utilizá-los para usar o meio externo como uma parte de seu corpo. Mas para usá-los você tem que saber como o seu cérebro funciona.

Como eu disse antes, quando você quer fazer alguma ação com seu corpo primeiro você pensa nela, e dá uma “ordem” para o seu cérebro. Esta ordem é transmitida pelos seus neurônios, por intermédio das sinapses, que são justamente impulsos elétricos que polarizam e despolarizam os neurônios, enviando a “ordem” inicial para o resto de o seu corpo executá-la. Mas o surreal de tudo isso, é o fato de nós não controlarmos o “impulso” propriamente dito, pois nosso cérebro foi condicionado a fazer tudo automaticamente. – Nesse momento Kael fez uma cara afirmativa e recostou-se no sofá.

_ Então basicamente consiste em fazer com que o meio seja “parte” do seu corpo, e controlá-lo como tal, para isso existem as técnicas básicas que são as elementares: “ar, fogo, terra e ar”, e como uma espada ou uma roupa seu corpo tem maior afinidade com certo elemento, dependendo de sua índole. Eu por exemplo consigo usar bem técnicas que envolvem ar.

_ Mas como eu controlo um elemento Illik?

_ Bem, vou explicar o básico de cada um deles: Começando pela terra... O uso de técnicas que envolvem terra tem a seguinte lógica:

Você libera uma corrente de impulsos contínua, e une as palmas das mãos para direcionar e acumular os impulsos nelas. Mantendo o fluxo contínuo você entra em contato com a terra introduzindo o impulso nela, e aí por diante, de acordo com o seu alcance, você pode manipular a terra como você move um braço. Podendo amaciar ou endurecê-la, e em alguns casos mudar até sua constituição, que em casos de extremo domínio da técnica, podem ser construídas edificações completas de terra ou pedra.

_ Que impressionante! Mas a pessoa sente mesmo a terra como parte de seu corpo?

_ Sim, por isso há técnicas que criam até um boneco de terra, que sob seu controle pode se mover como uma marionete. Mas isso é outro assunto mais complexo... Por enquanto podemos já passar para os pulsos de água. – Nesse momento uma serva de cabelos castanhos claros apareceu com uma bandeja repleta de biscoitos e uma xícara de chá para ambos. Illik e Caliel agradeceram e beberam um pouco do chá antes do baixinho retomar:

_ Que chá maravilhoso... Onde eu estava mesmo?

_ Começando a explicar o elemento água...

_ Ah sim! O elemento água... Bem, o pensamento inicial é bastante similar ao da terra, aliás, é o mesmo para todos eles, afinal são todas técnicas de pulsos. O especialista emite um pulso e o acumula nas palmas das mãos, logo depois se direcionam esses pulsos para uma fonte de água próxima, trabalhando como um tipo de “trampolim”. O especialista não precisa encostar-se à água necessariamente, mas ele tem de criar uma corrente que esteja em contato com a água. Dessa vez ele não age como se a água fosse um membro de seu corpo, mas sim como se ela fosse uma arma empunhada pelo mesmo. Afinal a água trabalha de certo modo que, para servir como um ataque efetivo ela tem que ser conduzida, como uma onda. Então o movimento básico é o de “pegar” a água e conduzi-la até seu oponente, trabalhando somente como intermediário. Sacou?

_ Não muito bem, quer dizer então que eu não encosto mais estou em contato?

_ Sim, é basicamente como se você fizesse cordas de impulsos que se agarram à água.

_ Então quer dizer que invés de um só movimento se eu ficar “pegando” e jogando mais água eu vou maximizar o dano.

_ É exatamente isso, aliás, você foi até um pouco além... Mas chega de falar sobre isso hoje, o senhor deve estar exausto. Amanhã nós continuaremos.

_ Mas eu quero saber mais...

_ Calma meu senhor... Não deixarei o senhor ir despreparado para Bongor De’Grin.

_ O que é isto?

_ É a grande escola preparatória de especialistas. O período letivo começa daqui três meses. Tempo suficiente para prepará-lo com o básico.

_ Então vou confiar em você Illik. – Disse Caliel se levantando para acompanhar o serviçal que já estava ao lado da porta. Caliel deu uma ultima olhada no local, eu fechou a porta que se tramou imediatamente atrás deles, fazendo Caliel perguntar:

_ Quanto tempo se passou desde que entramos lá?

_ Bem... Agora são 21:00 hrs., você desmaiou as 15:00 hrs. Logo foram umas 6 horas senhor. – Disse o baixinho colocando novamente no bolso o relógio de mão cromado.

_ Nossa o tempo passou rápido...

_ Realmente...

_ Iremos dormir agora?

_ Se o senhor desejar sim, mas acho jogar o jantar fora é uma covardia.

_ Jantar? Nossa, eu poderia sobreviver com o almoço uma semana inteira.

_ Aqui fazemos questão de lhe servir todas as refeições.

_ Ok, eu aceito, mas com uma condição.

_ E qual seria meu senhor?

_ Eu quero primeiramente que em todas elas os servos se sentem à mesa comigo e me tratem como um amigo, e quero saber uma coisa... Aquele conjunto de casinhas que eu vi ao chegar aqui são as casas dos empregados?

_ Sim senhor, aquelas são as casas dos empregados da mansão... Mas qual o seu interesse nisso senhor? Acha que elas estão atrapalhando a passagem? Podemos relocalizá-los.

_ Não. Eu quero conversar com algum empregado que more naquele local, preciso de saber uma coisa a respeito disso.

_ Tudo bem, estamos perto do laboratório, pergunte para o Químico da mansão, o doutor Vhrooem, ele vai saber lhe informar sobre as casas. – Disse Illik virando o corredor e indo em direção a uma porta esquisita, não muito alta nem baixa, porém de difícil passagem.

O mau cheiro se agravava a cada passo em direção ao fim do corredor, que se comportava como um funil, diminuindo de dimensão de acordo com que andavam. A atmosfera foi ficando mais e mais pesada, de um modo que Caliel sentia quase um medo decrépito. Como se estivesse abrindo uma antiga tumba em um cemitério de beira de estrada.

Finalmente Illik abriu a porta, que rangeu como em um filme de terror, o salão era escuro, e tinha poucas janelas, que dificultavam a visão e a respiração. Lá dentro havia uma quantidade incrível de tubos de ensaio e vidrarias, todas com líquidos brilhantes e chamativos.

De repente uma explosão preencheu o salão de fumaça – Que fez Caliel fechar rapidamente os olhos, protegendo-os contra aquela fumaça. – e um senhor de cabelos grisalhos e escassos saiu do canto mais escuro da sala carregando um vidro com uma pequena rosa dentro dele. Seu rosto e suas roupas estavam imundos, e ele foi logo tratando de se apresentar, com uma mesura cambaleante:

_ Muito prazer, meu nome é Napoleão! – E logo depois parece que ele perdeu as forças sobre seu corpo, e se não fosse por Illik teria caído diretamente em encontro ao chão. O baixinho o pôs deitado em um canto e disse a Caliel:

_ Ele é um gênio, mas assim como algumas pessoas daqui, ele é uma pessoa de pensamentos surreais, vamos esperar que ele desperte. – E antes que Caliel pudesse responder o velho se levantou rapidamente se pronunciando:

_ Perdão, perdão senhorita rainha... Não deveria ter sido tão rude com a senhora. – Disse o doutor acariciando o rosto de Caliel, que tentou se afastar, e percebeu que os olhos dele eram vidrados, como se estivesse possuído, isso somado com a atmosfera do local fizeram um frio subir por sua espinha.

_ Doutor, este é o novo senhor de nossa casa, Caliel, ele veio fazer uma pergunta para o senhor. – Falou Illik tomando um passo á frente.

_ Ah! Passarinho verde! Quanto tempo eu não o via! Mas sim, fale com a rainha que ela pode me perguntar o que quiser, afinal eu sou apenas um de seus vassalos. – Caliel queria evitar passar mais tempo ali e tratou logo de perguntar:

_ O senhor gosta da sua casa aqui na mansão?

_ Um soldado como eu poderia dormir até em cima de um poste senhorita! – Disse o doutor pegando uma vassoura e o batendo no chão como se fosse um porta-bandeira do exército.

_ Mas se o senhor pudesse, o senhor mudaria suas moradias aqui na mansão?

_ Bem senhora rainha, eu não ligo de dormir em qualquer lugar, porém gostaria de um observatório para poder namorar algumas estrelas... mas isso é só um desejo fútil.

_ Pois que assim seja. Illik, a mansão tem dinheiro suficiente para fazer moradias do jeito que os servos querem não é? Então pergunte a todos como queriam, e digam que a casa irá bancar tudo. Vocês foram muito gentis comigo, não quero que fiquem em cabanas como aquelas.

_ O senhor realmente é igual ao seu pai... hehe. – Disse Illik com um tom de brincadeira.

_ Mas se me permite perguntar algo doutor – retomou Caliel – Eu queria saber para que o senhor está com esta rosa na mão.

_ Ahh! Aguarde e verá minha rainha... Aguarde e verá. Agora tenho que por ela em uma incubadora, se me permite rainha... – Essa foi a deixa para Illik puxar Caliel para fora, antes que se prolongassem mais as coisas. Caminharam com Caliel tomando a frente, até o salão de jantar, o qual ele lembrou o caminho com exímia maestria.

Chegando lá, ele se deparou com todos os empregados de pé como antes, e no centro da mesa um grande frango assado, uma panela repleta de arroz a La piemontês. O aroma estava muito agradável, assim que ele chegou, todos abaixaram as cabeças e disseram juntos:

_ Perdão nosso senhor! – Irritado com aquilo Kael tratou logo de repreender aquela manifestação.

_ Por que estão se desculpando? - E a única serva que permaneceu de cabeça erguida, a mesma loura que o informou mais cedo onde estava a bebida lhe respondeu:

_ Eles não se acham dignos de desfrutar e compartilhar sua presença na mesa deles, por isso estão se desculpando. Eu acho isso uma perda de tempo. – Disse ela olhando para as unhas das mãos com uma cara de indiferença, que tratou de logo ser atacada por Illik dizendo:

_ Sua insolente, abaixe a cabeça, e olhe como fala com seu senhor... – E antes que pudesse continuar atacando-a, Caliel segurou o braço em riste de Illik e disse:

_ Não! Ela está certa, eu não quero ser um estranho aqui para vocês, que isso fique bem claro. Entrei hoje neste mundo, e vocês só melhoraram minha vida. Nada mais justo que tratá-los como iguais, se não até superiores a mim, por isso esta atitude dela é o que eu quero de vocês daqui em diante, eu não quero ser bem tratado só porque lhe disseram que sou seu senhor. Nem eu mesmo sei se sou isso, por isso, quero que me tratem como um amigo, e a partir de hoje peço-lhes que acatem este meu desejo, e em todas as refeições ou algo do tipo desfrutem comigo. E por fim, nada de cordialidade, pois eu acho isso muito complicado.

E mesmo com um olhar estranho, todos acataram aquilo tudo, como se fosse uma ordem. Caliel se sentiu aliviado, pois ele sabia que não era nada daquilo, e sua consciência clamava por um refresco, e essas ações para ele aliviavam a mentira que estava sustentando. Mas afinal, era conveniente para ele tudo aquilo. Foi assim dia após dia, Caliel conseguia extinguir passo por passo a hierarquia dos Boncheümmer. Sua rotina era de acordar, tomar banho, comer seu café da manhã, acompanhar e aprender o trabalho da maioria de servos que ele pudesse. Um dia com o jardineiro, outro com o pedreiro, outro com o criador dos animais. E com o tempo pode começar a ajudá-los, e se sentia cada vez mais, a cada aprendizado, parte daquele mundo, se sentia alguém.

Todas as tardes, Illik mantinha o ritual de ensinar-lhe mais e mais sobre todas as ciências que conhecia. Mas o desejo de Caliel, o que realmente lhe interessava, Illik dizia que ia introduzi-lo aos poucos.

Passados dois meses Caliel já tinha um imenso conhecimento geral e prático, e uma promissora capacidade analítica. Começou a ler e escrever o Alemão, o Inglês e o Francês. O italiano era um problema na pronúncia, mas estava aprimorando-o. Mesmo com as dificuldades, ele era um prodígio, pois qualquer outro levaria um período de anos para aprender tudo isso.

Mas a vontade de saber mais sobre os poderes e sobre aquele admirável mundo novo era vital para ele. Adquiriu com o tempo um hábito de tratar tudo como um enigma, e queria desvendá-lo. E naquela tarde ensolarada de quarta feira ele não conseguiu mais se conter:

_ Illik, chega de história, geografia e física. Eu quero saber o resto das técnicas. Lembro-me que nós paramos nas técnicas de pulsos elementares, você tinha acabado de explicar a técnica de água. E eu analisei a fundo essas duas técnicas e queria saber se minhas análises foram corretas também.

_ Você realmente é sedento por conhecimento garoto. Assim como o seu velho. Se esse é o seu desejo, vou te explicar hoje os outros dois elementos básicos, mas se lembre de uma coisa, nada em excesso é bom, se não você aprende tudo de uma só vez, e acaba não ficando bom em nada.

_ Ok, é só que eu estou muito curioso em relação a isso tudo. Por mim eu aprenderia como usá-las logo, mas você disse que ainda não tenho os poderes liberados, e que na escola eles tratariam disso. Mas mesmo assim, estou a duas semanas aqui, e ainda me sinto um completo estranho.

_ Com o tempo você irá se acostumar e adaptar, e para ajudá-lo a isso, vou terminar de te explicar hoje as técnicas de pulsos elementares. Eu já tinha lhe explicado terra e água, então vou lhe explicar as técnicas mais complexas, o fogo e o ar.

Começando pelo fogo. Você precisa saber primeiro como funciona um processo de combustão, ou o processo de “criação do fogo”. Então o fogo, ou se você preferir a chama se trata de duas “parcelas” diferentes, há a parte visível, que é a chama por si própria, e há a liberação de calor, a combustão. Geralmente um vem junto com o outro, como conseqüência da reação, mas já que as técnicas de pulso em suma têm uma função quase unânime, a militar, o que você deve treinar é a liberação de calor. Mas agora, como fazemos isso? Em geral as técnicas de fogo seguem a linha de raciocínio: Acúmulo de impulsos nas mãos, que atuam em locais diferentes do corpo. Uma delas fica em contato com o seu peito, infiltrando impulsos para dentro de seus pulmões e os “inflando” à sua capacidade máxima. Com isso já temos um acúmulo de oxigênio suficiente para sustentar a combustão, precisando então de uma faísca para ocorrer à reação. Essa faísca é gerada por atrito, que é justamente a parte mais complexa da técnica de fogo, pois você precisa de “dividir” e manter os impulsos fazendo coisas diferentes em cada uma das mãos, e em áreas distintas do corpo.

_ Hmm... Mas como a faísca é gerada?

_ Boa percepção. Como eu disse antes, geralmente faíscas são geradas no atrito entre dois metais, porém nós temos em nosso corpo uma estrutura peculiar: as cordas vocais, e para entender as técnicas de fogo, você vai precisar saber a peculiaridade dessa estrutura.

Segundo teorias de um biólogo e físico Sueco as nossas cordas vocais vibram por um motivo incrível, dentro das cordas vocais há moléculas que se movimentam em uma velocidade tão intensa, que para haver a tensão em tais estruturas para elas não arrebentarem há uma musculatura muito potente, capaz de vibrar muito mais as nossas cordas vocais. Por isso, nós usamos exatamente essas estruturas para gerar faíscas, obrigando-as a vibrar tão intensamente que se choque com outra.

_ Mas isso não é impossível?

_ Não, bem pelo contrário, nós as usamos somente para as técnicas mais básicas, há técnicas compostas, onde você usa até os dedos da mão para gerar faíscas. Mas por hora, somente o básico nos interessa, e agora que você já sabe a teoria por trás do fogo, vou explicar o processo de uso da técnica e como alimentá-la a fim de gerar dano a outras pessoas e objetos.

Primeiramente como alimentar a chama... É necessário algum tipo de líquido ou gás inflamável, mas é complicado você andar com combustíveis para qualquer lugar que você for. Por isso há uma síntese, ou seja, seus impulsos sinápticos introduzidos nos seus pulmões assumirão uma propriedade de negatividade em relação a alguns tipos de moléculas. São exatamente essas moléculas as constituintes do combustível, então você começará a inspirar o combustível da própria atmosfera.

_ Mas na prática, terei que ficar escolhendo-as?

_ Não. Basta pronunciar o nome da técnica e conduzir o fluxo até os pulmões e inspirar que haverá a síntese automática do combustível, que será soprado, e ao passar pela região da garganta onde as cordas vocais estarão gerando faíscas, haverá a saída de fogo pela sua boca.

_ Mas isso não irá queimar a minha garganta e boca?

_ Não, pois se trata de um fluxo controlado, não há dissipação do fogo, é como se houvesse um foco, o qual o fogo é condensado e dirigido até lá. Isso faz com que o fogo aja como um cone, não queimando o seu corpo em parte alguma. Mas ao sair de sua boca o fogo se depara com um volume a ocupar bem maior, e tende a se dissipar, com isso, poderia haver um refluxo do fogo para seu próprio rosto, queimando-o. Aí está o gran finalle da técnica, a outra mão que não foi usada ainda serve como uma condutora, ou seja, você a posiciona ao lado da saída do fogo, criando uma espécie de “rede” que molda o fogo assim que ele sai de sua boca, dando a ele forma, e controle total.

_ Nossa, mas deve ser uma técnica muito difícil de ser dominada.

_ É uma técnica realmente demasiado complexa, principalmente no que se trata da sincronia das duas mãos. Eu por exemplo, demorei muito tempo para controlá-las, mas ela não é a técnica de controle mais difícil. Vou te explicar agora a lógica das técnicas de ar, começando por uma pergunta: Você percebeu alguma relação entre matéria disponível para o uso das técnicas elementares e a dificuldade de uso das mesmas?

_ Não vi relação alguma... Eu lembro que você me ensinou o uso de análise matemática, mas não consegui enxergar nenhuma co-relação de fatores.

_ Bem, é normal, aliás, você até usou esse tipo de pensamento para isso, você realmente é promissor, mas a relação é bem simples de ser percebida. Trata-se de uma proporção inversa, ou seja, quanto maior a disponibilidade de matéria para o uso da técnica, mais fácil o controle da mesma, com exceção do ar.

_ Mas eu pensei que o ar era a técnica mais fácil de controlar, por ser a matéria mais “leve”, mas parece que eu estou errado né?

_ Como eu havia lhe dito, o ar é uma exceção, pois todos os outros elementos estão em contato conosco, no caso da terra e da água, muitas vezes estamos em cima deles, mas o ponto é que há uma linha tênue que delimitam esses elementos, ou seja, se você decidir andar em cima de uma porção de terra chega um momento que haverá uma troca, entre terra por água, mas o ar não funciona bem assim. Porque nós estamos “no” ar, e não em “cima” ou “abaixo” dele, resumindo, pelo fato de ele ser homogêneo ( a atmosfera ) e não ser sólido, a manipulação de técnicas de ar envolvem um controle de impulsos minucioso, pois devido a quantidade incalculável de material disponível, toda sua energia pode se dissipar muito rapidamente.

_ Espera! Você não havia me explicado ainda sobre o gasto de energia. – Indagou Caliel curioso.

_ Calma garoto! Já vou te explicar tudo em sua respectiva hora. Mas voltando ao assunto, a técnica de ar tem um mecanismo simples, no entanto o que a torna a técnica mais difícil é exatamente o controle, que é muito minucioso. Primeiramente a união de palmas de mão, ou, agora que você já escutou várias vezes, a abertura da fenda, como dizem os especialistas mais avançados, acumulando impulsos nessa área com uma separação lenta das mãos para expandir a fenda, fazendo um tipo de “recipiente” impulsório, como se fosse uma esfera, que com controle e concentração enorme, haver a abertura de um pequeno buraco em sua superfície, visando a entrada de mais ar.

_ Não é tão difícil assim... Homenzinho rabugento – Disse Caliel com uma postura infantil.
_ Você está engano menino, pois você desconsiderou dois fatores. Primeiro qualquer perturbação rompe o recipiente, e segundo, como controlar essa porção em especial de ar no meio? Respondendo esses fatores... Basicamente trata-se de “encharcar” molécula por molécula de ar dentro do recipiente por impulsos seus, logo, o movimento pode ser aumentado, e em um instante, essa mesma porção que você controla estará a KM de distância se você quiser. Só não pode haver dissipação de impulsos, logo, quanto maior a distância, maior a sua concentração, e a chance de haver falha.

_ Ah! Realmente deve ser difícil ter esse controle, mas agora eu já sei os quatro elementos, e o uso de energia? Por favor, me explica Illik! – Disse Caliel fazendo uma cara de piedade, sendo rapidamente repreendido por Illik:

_ Não! Por hoje chega amanhã lhe explicarei sobre técnicas de portal, e até o fim da semana já terei lhe explicado sobre o gasto de energia e os danos que as técnicas causam para o corpo, pois sua aula começa já na outra semana. Por hora, tome o resto da tarde para conversar com os outros criados, já que você gosta disso. Tenho que fazer algo pelo resto do dia, até mais.

Caliel ficou parado no salão observando Illik sair pela grande porta. Ele pensou e pensou, e o que ocupava sua mente no momento eram exatamente aquelas palavras: “pois sua aula começa já na outra semana.”... Outra semana... Finalmente tinha acabado todo aquele sonho que ele havia vivido, eles iam o descobrir e ele não poderia mais retornar ali, mas ele estava crente de que faria algo para permanecer o máximo de tempo que conseguisse. O fato de tudo aquilo ser inacreditável, não o impressionava mais, pois ele havia visto o uso de técnicas com seus próprios olhos, e havia ficado claramente seduzido por aquele mundo todo.

Refletiu profundamente sobre o rumo que a vida dele tomou, de repente ele tinha uma vida, e uma vida incrível. Saiu do salão e se moveu até o jardim onde Pablo estava cuidando de um montinho de flores abaixo de uma imensa árvore, intrigado Caliel foi até lá, e se se encostou a uma cerejeira, quando Pablo disse:

_ São lindas não são? ... Eu cuido dessas camélias dia após dia, e só agora depois de quase um ano de carinho elas floresceram...

_ Mas Pablo, no outro dia eu vi você cuidando daquela Palmeira usando uma técnica, porque não usou uma para florescer essa flor também? Ela é algum tipo de flor especial?

_ Sim, ela é especial, mas não é imune ao uso de técnicas do elemento terra como você está pensando...

_ Então porque você não a floresce rápido usando alguma técnica de terra ou água como você mesmo disse?

_ Pelo mesmo motivo que eu volto para minha casa caminhando e não correndo.

_ Para não gastar energia?

_ Não meu jovem rapaz... Mas simplesmente para desfrutar dos pequenos momentos da vida. Cal, nós sabemos que você está muito empolgado com tudo isto que você está vendo aqui, mas não faça como alguns especialistas e use sempre técnicas para tudo, ação ou atividade qualquer que faça. Tudo fica tão fácil que ele vai esquecendo a graça da vida, que está no florescer desta planta por exemplo. – E ambos ficaram observando a planta pelo resto da tarde, soltando pequenos comentários espirituosos uma vez ou outra.

Jantou a noite, mas sentiu falta do baixinho, que não tinha voltado do compromisso para qual ele saiu correndo. Caliel achou estranho, pois, por mais que ele não demonstrasse, Illik tomou papel de seu primeiro amigo verdadeiro, afinal eles não deixavam de se ver um só dia.

Ele procurou o senhor Boris, o velho mordomo que agora cuidava do armazém da mansão. A noite estava nublada, e a lua banhava o céu com uma tonalidade avermelhada, era um fenômeno lindo, porém não deixava a atmosfera menos aterrorizante. Chegando no armazém Caliel percebeu a presença de alguém no telhado, com algo que se assemelhava a um bastão. Ele tinha quase se esquecido do comentário de Illik sobre o velho: “A pessoa mais sábia e excêntrica daqui”.

Com um notável esforço Caliel subiu os degraus da escada estreita que levava ao topo do galpão de tijolos escuros de fuligem, proveniente da armoaria ao lado. Já no topo ele notou que se tratava de um bastão de metal com uma pequena esfera na ponta, a qual Boris não parava de balançar nem por um segundo, levando Caliel a perguntar:

_ O que o senhor está fazendo? – Boris respondeu ofegante:

_ Uma tempestade vem se aproximando, e eu não quero perder os raios frescos.

_ Mas o que o senhor está fazendo com esse bastão?

_ Eu vou tentar pescar uns raios ariscos hoje...

_ Pescar os raios?

_ Sim! Hoje em dia raios enlatados estão caros. E o ferreiro precisa de raios naturais e saudáveis para forjar um presente para você.

_ Para mim? Mas não precisa...

_ Mas ele é muito grato por você ter salvado a filha dele do poço outro dia.

_ Aquilo não foi nada, eu só estava passando por perto e ouvi alguém chorando, e quando verifiquei, ela estava dentro do poço. Não foi nada que ninguém não faria.

_ Mesmo assim ele lhe quer fazer isso. Mas para que você veio até aqui?... Certamente não foi para escutar um velho...

_ Ah sim, eu vim até aqui pois Illik me disse uma vez que o senhor sempre sabe tudo o que acontece aqui na mansão e nas redondezas.

_ E o que o senhor quer saber?

_ Bem, é que o Illik saiu mais cedo dizendo que ia resolver um problema, mas disse que de noite ele com certeza já estaria de volta.

_ Eu sei o que Illik foi fazer. Ele passou aqui antes para pegar alguns suprimentos. Mas eu acho estranho, pois ele não deveria demorar muito, mesmo sendo um trabalho perigoso, ele já deveria ter retornado.

_ Você poderia me dizer o que ele estava fazendo?

_ Ele estava transportando um bem precioso, não posso falar o conteúdo, mas posso lhe dizer o destino: a cidade central de Wolke, no estado do vento.

_ A pessoa que receberá, é alguém importante?

_ Não é alguém a se desconsiderar... Mas não fique preocupado, amanhã ele já deve ter voltado, vá dormir em paz jovem!

_ Ah! Se é assim eu vou dormir então, mas se ele não chegar até amanhã a tarde eu voltarei. Boa noite e boa pescaria.

_ Obrigado, jajá começam a cair os danadinhos! – Logo depois Caliel desceu as escadas e foi um pouco mais calmo para a cama.

Em seu sonho ele se via em um lugar amplo, como uma planície, porém ele não via nada. Suava e gemia se remexendo na cama. Até quando finalmente se viu com sangue nas mãos, a atmosfera ao seu redor ficou mais fria e pesada, gerando uma sensação desesperadora, que acabou logo quando ele acordou ofegante.

Já era de manhã, mas não era o horário que ele costumava acordar todo dia, era bem mais cedo, então Caliel tomou um banho e saiu pela mansão à procura de Illik, mas ao passar por um dos quartos inferiores ele parou perplexo ao ver pela greta da porta de um deles aquela mesma garota que o respondera no primeiro banquete.

Ela estava de costas com uma calcinha cor azul clara, que delineava bem o volume de suas pernas, Caliel nunca havia visto algo tão bonito, suas pernas começaram a tremer, e ele sentiu seu sangue esvaecendo de seu corpo, dirigindo-se a suas virilhas. Ela estava pegando suas roupas, e foi até o canto do quarto se abaixando para pegar a saia de seu uniforme, levando Caliel a sentir-se extremamente excitado. Sua vontade era de ir ao seu encontro e agarrá-la, mas ele foi surpreendido por alguém que vinha pelo corredor, fazendo-o pular de cara no cesto de roupas sujas.

Mesmo estando imundo novamente, ele se sentia muito bem, aquela imagem não saia de sua cabeça. Ele estava com o corpo quente, e seu coração quase lhe saia pela boca de tão palpitante. De repente ele sentiu algo em seus pés, e de uma vez foi puxado com força suficiente para fazer sua cabeça rodopiar. Se encontrando estatelado no chão, ele só ouviu uma voz dizendo:

_ O que você está fazendo aí?

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Capítulo 4 - Família?


Aeroporto de Frankfurt – Século XXI

Como de costume Caliel acordou com seus olhos e ombros doendo. Também não era de se estranhar, passando metade da noite acordado para fugir do frio. Ele não tinha casa, suas roupas refletiam seu estado de corpo e espírito: trapos. Não tinha nada nem ninguém, era sozinho, só tinha um porta-retratos velho, o qual fora abandonado com ele quando era bebê.

Relutando-se em levantar naquele frio, Caliel pôs primeiro seu pé esquerdo no chão, seguido lentamente por seu pé direito, e logo após por seu corpo machucado em pé, o segurança do aeroporto apareceu no fim do corredor. Isso lhe dizia que era hora de sair dali.

Ao chegar na porta principal do aeroporto ele se espreguiçou, contorcendo suas costas para se despertar completamente, e começar sua caminhada em busca de comida. Ele julgou aquele dia como seu dia de sorte, pois, logo após olhar em volta, viu em uma lata de lixo um belo osso de galinha, com ainda alguns pedaços apodrecidos e cheios de deliciosos vermes em decomposição.

Caliel se deliciava com sua refeição matinal como se tivesse ganhado um presente. Sua euforia era tanta que ele nem percebeu um envelope branco com bordas em dourado que repousava em seu colo enquanto ele devorava o osso como uma hiena faminta.

Como tal envelope chegou em seu colo era um mistério, talvez tivesse caído enquanto ele remexia o lixo, logo após devorar seu café da manhã gorduroso ele limpava sua boca com as mangas sujas de sua camisa, mas a gordura era tão velha e viscosa que não saia de sua boca, ele então viu o envelope e limpou sua boca com ele. O amassou e jogou no chão, Sem perceber sua importância ou algo do tipo.

Espanando as migalhas com suas mãos magras Caliel se preparava para partir quando ele
finalmente se deu conta de que aquele envelope podia conter algo importante, julgando-o pelas bordas douradas. Para conferir ele o desamassou e o abriu lendo em seu interior um endereço que ficava próximo dali. Algo que ele julgava ser o horário estava escrito com letras vermelhas arredondadas: 10:30.Devido a falta do que fazer, decidiu procurar o endereço, afinal, poderiam haver pessoas pagando alguma recompensa pelo papel chique.

Ele só sabia o caminho mais longo para o endereço, por isso ele teve tempo de ver pelo caminho muitas coisas, dentre elas, ele parou ao ver uma vitrine, com bonecos de cera simulando uma família feliz, sentados em uma mesa bastante iluminada com um gordo e suculento leitão no centro. O tempo já estava bastante gelado. Uma questão de momentos até começar a nevar.

Ele ficou ali parado um grande intervalo de tempo, não estava nem chorando nem sorrindo. Era só um pobre mendigo parado, sem demonstrar nenhuma emoção. Em sua cabeça não havia pensamento ou lembrança, ele simplesmente não entendia aquilo.

Voltando ao seu trajeto ele tinha parado de pensar, só lembrava-se daquela imagem, era algo abstrato para ele, como a descrição de um arco-íris para um cego. Algo que ele sabia que existia, porém nunca o havia experimentado.

Aquilo era algo digno de pena, mas tal acontecimento foi logo ofuscado pela chegada de Caliel no endereço. Era uma enorme construção, com seu exterior ladrilhado com grandes peças de mármore negro.

“Estação Particular Krömmen Bhor” era o que dizia em letras metálicas na fachada. Caliel ficou pasmo com a beleza de tal construção, era algo imponente. A arquitetura era gótica, dando um aspecto de igreja medieval à construção negra detalhada meticulosamente por peças em ouro branco.

Caliel engoliu seco, mas queria entrar de um modo ou outro. Motivado por sua curiosidade ele pôs os pés no início da escadaria, que era cercada por imensos felinos feitos em uma pedra que se assemelhava a celestita.

Dois leões africanos entalhados com dourado estavam um de cada lado da imensa porta de madeira pesada. O cheiro da porta ainda era de eucalipto. Puxando a maçaneta branca com detalhes em prata a imensa porta se abriu de modo tão leve, como se fosse uma pequena porteira.

O interior o deixou ainda mais pasmo, afinal, tal construção não deveria ser completamente vazia. A única coisa ele podia ver era uma janela exatamente no meio do imenso salão.

O chão de mármore branco polido refletia a luz do lado de fora, que emanava da neve branca que caía, se não fosse Caliel, tudo estaria completamente escuro. Ele não sabia o porquê ou como a janela estava ali. Imaginou que estivesse pendurada, mas ela não se movia, e ele não via corda alguma.

Ela era preta e estava fechada, seus detalhes eram em jade o que seduziu mais ainda os olhos de Caliel. Hesitante a cada passo ele seguiu até ela, mas quando estava prestes a tocá-la a porta fechou atrás de si com um imenso estrondo. Imediatamente a janela se abriu com um movimento rápido e gracioso, irradiando uma luz avermelhada que iluminou toda a sala.

O envelope que ele segurava amassado em sua mão direita começou a ficar leve e quente. Caliel o soltou imediatamente quando começou a queimar sua mão, e foi quando a luz ficou mais intensa.

O envelope estava suspenso no ar, em frente a janela, como se tivesse sendo segurado pela tal luz avermelhada, as letras começaram a queimar em brasa, despedaçando o papel naquele mesmo momento.

Com uma luz tão intensa em seus olhos ele caiu no chão ao recuar de medo. Não viu nada mais... Ao abri-los novamente e olhar ao seu redor, Caliel se via em uma sala de estar aconchegante. Sob a iluminação trêmula da chama da lareira ele olhou ao seu redor, e ficou perplexo ao ver uma parede de cerca de 10 metros de altura, por 50 metros de comprimento que abrigava uma quantidade impressionante de diversas janelas, expostas como quadros.

O espanto de Caliel se agravou quando ele viu nas fileiras superiores uma janela negra
aberta, igual a que ele viu na estação. De repente a porta da sala se abriu revelando um senhor de meia idade, com tufos de cabelos em ambas as laterais de sua cabeça, penteados para trás. Os olhos do senhor eram azuis e cansados, entretanto, cheios de vida.

Ele carregava uma xícara de chá e vestia roupas escuras e largas. Deixando de lado a perplexidade de Caliel ele se pronunciou, com uma voz rouca:

_Qual a sua senha? – Caliel não entendeu, mas por algum motivo achava que era o que estava escrito no envelope.

-10:30 – ele respondeu rapidamente, em um tom quase insolente.

O velho levantou uma sobrancelha e pegou um pedaço negro de madeira no chão, próximo a Caliel, nela estava talhado 10:30, o senhor arregalou os olhos e olhou para Caliel. Pegou um pequeno livro de dentro de sua camisa, e sussurrando alguma coisa em voz baixa encostou no cadeado, que brilhou e se abriu. Caliel achou aquilo impressionante, mais foi interrompido pela fala do senhor:

_ Não estávamos esperando por você ainda... Quais são meus modos...? Meu nome é Gondolous De’goulle, o porteiro. Vou providenciar imediatamente um criado!

_ Criado? – Indagou Caliel sem entender nada do que se passava ali, e sentindo uma tremenda dor de cabeça.

_Sim, mesmo faltando alguns meses até o início das aulas você chegou... Então você pode aproveitar esse tempo livre pra comprar os materiais e tudo o mais... Porque essa é sua primeira vez aqui. Ah, esqueci de mencionar, vista este roupão...

Caliel não entendeu a frase até olhar para baixo, ele estava completamente nu, caído no chão, rapidamente ele pegou o roupão e correu para o canto da sala se tampando, arregalou os olhos e apontou para o senhor:

_SEU TARADO!!! – e tratou de por logo o roupão.

_ É normal essa reação, geralmente os alunos recebem os roupões junto com o ingresso, mais parece que você se apressou... Bem isso não importa... – E o senhor foi interrompido quando um homem baixinho usando um terno branco e gravata amarela apareceu na porta dizendo:

_ Criado Illik da casa dos Boncheümmer se apresentando, me chamou senhor Gondolous?

_ Sim Illik, parece que o herdeiro de Frankfurt dos Boncheümmer chegou mais cedo, quero que você o atualize sobre tudo, ele parece estar com um quadro de amnésia pós-porteal.

_ Mas o senhor não tinha aprimorado os portais para evitar isso senhor Gondolous?

_ Bem, parece que não está totalmente aperfeiçoada, tanto que ele veio parar aqui em casa, mas isso é compreensível, tendo em vista que é um descendente direto da nobre família Boncheümmer.

_ Bem, posso perguntar uma coisa? Do que vocês estão falando? – Falava Caliel sem entender nada, era lógico que o estavam confundindo com alguém, mais a idéia de se aproveitar daquela situação era iminente.

_ Senhor Boncheümmer, mil perdões, mais os portais não estão suportando o tempo, vou ter que fazer uma reforma geral neles, mas o senhor sofreu uma amnésia pós-porteal, então o senhor não deve lembrar-se de quase nada, mas não se preocupe Illik irá te explicar e cuidar de tudo. Seja bem vindo senhor...?

_ Caliel, mas creio que estão me confundindo...

_ O senhor está equivocado – respondeu o homem baixinho – O que mestre Gondolous falou está acontecendo muito ultimamente... Mas o senhor irá se lembrar com o tempo.

_ Está bem – disse Caliel querendo saber do que se tratavam tudo aquilo, decidiu prosseguir no jogo deles, mas algo o preocupava naquilo tudo, mas isso deixou de ser problema assim quando a barriga de Caliel soltou um ronco estrondoso que ecoou na sala toda.

_ Parece que o senhor está com fome... Vamos para a casa da família, lá pedirei que preparem para o senhor roupas, um belo almoço e um banho quente... Vamos indo?

_ Bem... Vamos... Adeus senhor Gondolous, e obrigado... – Caliel tentava se aproximar o máximo do que seria educação, ele tinha aprendido isso com alguns hippies na Praça de Frankfurt.

E Caliel saiu olhando para trás, vendo somente aquela lasca de madeira na mão do senhor Gondolous, ele estava confuso, com fome, mas algo lhe dizia que continuar lhe renderia algo produtivo. Passaram então por um longo corredor de paredes vinho e chão de madeira, o qual era coberto por longas tapeçarias elaboradas, com fiações complexas. As paredes eram cobertas por algo que lhe dava um aspecto de acolchoado, com alguns quadros nas paredes de paisagens, e mais paisagens... Melhor, fotografias, de muitas paisagens, aquilo intrigou Caliel.

Depois de uma caminhada de uns 2 minutos em total silêncio eles chegaram até uma porta grande, de madeira escura com alguns detalhes em uma madeira clara e fina, que Caliel não imaginava qual era, mas ao abri-la raios de sol entraram no recinto fazendo os olhos de Caliel serem semicerrados com o reflexo. Após se acostumar com a luminosidade Caliel ficou perplexo, parou de andar e só apreciou aquela vista.

Era algo fora do comum, ele nunca tinha visto nada tão deslumbrante. A casa onde estava se encontrava no alto de uma montanha altíssima, com campos verdes e um jardim de girassóis logo abaixo, logo depois havia um grande precipício que desembocava no grande mar cor verde claro que demonstrava sua força quebrando suas ondas contra a encosta de pedras marrom-escuras. Coelhos, cervos, e bezerros corriam livremente por aquele singelo local, totalmente cercado por água. Não devia medir mais que 5 mil metros quadrados, mais era lindo, uma pequena casa no centro, totalmente cercada pela mais bela natureza.

No mar que se encontrava logo abaixo golfinhos gritavam felizes e pulavam uns por cima dos outros, alguns cardumes de peixes felizes nadavam ali perto, estava tudo na mais bela sintonia, o sol brilhava pleno no céu azul. No horizonte havia delineado uma linha do que pareciam ser casas, e uma doca.

Um esquilo subiu por sua perna nua quando ele se aproximou da encosta do precipício, ele o acariciou e disse para o esquilo em sua mente: “é amiguinho, parece que este agora é meu lar também”, frase estranha, julgando que ele não sabia o que era um lar.

Caliel olhou em volta e não viu modo de transporte algum, mais isso não era um problema, ele não queria mesmo sair dali. De repente o baixinho, digo, Illik saiu da casa com algo que se assemelhava com uma carta, e a pôs no bolso. Ele virou para Caliel e disse:

_ Já Posso transmutar o veículo senhor?

_ Transmutar?

_ É... o senhor realmente precisa de escutar muita coisa... Vou começar, por favor, se afaste.

_ Ok... – Disse Caliel se afastando e levantando uma sobrancelha, de repente o homenzinho fechou os olhos e bateu as palmas da mão, abriu os olhos de repente e disse:

_ Technique de Vestibule - invoquer du véhicule volant - e logo em seguida suas mãos começaram a brilhar, e ele começou a abri-las lentamente, como se estivesse puxando algo, e um círculo negro estava se expandindo no centro de suas mãos, ele o abriu o bastante para passar uma bola de basquete, e o segurou na palma da mão direita, empurrando-o contra o chão logo em seguida. De repente o círculo desapareceu, e em seu lugar ficou somente a borda, que começou a brilhar e de repente, começaram a ser escritas palavras ao longo do contorno, que quando completou a circunferência brilharam e com um clarão, seguido por um barulho de fumaça se erguendo apareceu um tipo de motocicleta antiga.

Ela era vermelha com uns detalhes em preto, estava com o escapamento levemente modificado, como se tivessem o alargado. No banco havia dois capacetes, Illik pegou um deles e entregou o outro a Caliel, que não o aceitou em função do que tinha acontecido... Ele ainda estava em estado de choque.

_ Está tudo bem senhor Boncheümmer? – Indagou o serviçal preocupado.

_ C... Como voc... Você fez isso? – Disse Caliel totalmente estonteado.

_ Ah... Isso foi uma técnica de invocação, mais tarde vou te explicar tudo, agora venha, vamos ir embora... Quanto mais rápido partirmos, mais rápido o senhor ficará melhor.

Hesitante Caliel subiu na motocicleta, mas só porque o olhar do homenzinho o assustou, era como se ele dissesse “vamos logo ou vou perder a paciência!”. Sentando-se no outro banco da motocicleta e colocado o capacete redondo e preto ele resmungou:

_ Não vai adiantar de nada isso, vamos ficar rodando de “motinha” na ilha – Nesse instante o baixinho lançou um olhar confiante para Caliel e sorriu de lado. O surpreendeu acelerando a motocicleta de repente, fazendo-a empinar e Caliel se agarrar na sua cintura. Ele ia em direção ao precipício e Caliel gritava:

_ Não brinca... O precipício ta chegando perto! ... Para de brincar!! – Mas não adiantou, e ele acelerou mais e mais, quando de repente a motocicleta não trepidava mais, ela estava leve... Caliel fechou os olhos com medo, entrou em desespero e começou a gritar... Eles estavam em queda livre no precipício.

Mas Illik não parava de surpreendê-lo, quando ele tirou as mãos do guidão batendo as palmas novamente como ele fez antes... Caliel escutou claramente:

_ Technik des Impulses - feste Luft – Que logo após pronunciado fez as rodas da motocicleta rodar cada vez mais e mais. A água se aproximava, as rodas estavam quase soltando do eixo de tão velozes, e com um grande som de tufão, uma lâmina de ar circular se aproximava por trás, rápida como um furacão, passando por baixo das rodas.

Abrindo os olhos Caliel olhou em volta, buscando os restos mortais dele e daquele louco, ele viu tudo branco, achou que tivesse morrido, mas escutou em alto e bom tom:

_ Não é tão mal depois que se acostuma, não é senhor? – Caliel se intrigou e buscou de onde estava vindo aquela voz. Com o ar batendo veloz em seu rosto ele viu por entre as pálpebras semi-cerradas as costas de Illik, confirmando que ambos se encontravam realmente vivos. O branco que ele viu outrora eram as nuvens por onde estavam passando. Ele sentia o ar úmido e uma sensação de leveza tinha que concordar que aquilo era até muito relaxante.

Mas só essa sensação de prazer não convenceu Caliel, ele queria saber como estavam voando, e indagou de um modo ríspido:

_ Esse daqui é outro planeta, é?

_ Não, estamos na terra oras. Bem... Não tecnicamente, mas fora dela lhe garanto que não estamos.

_ Então como estamos voando? Posso ser burro, mais sei que motocicletas não voam, os hippies me ensinaram isso dentre outras coisas...

_ Essa pergunta é fácil... Mas não é correta, primeiramente não estamos voando... Olhe as rodas da motocicleta... – Caliel obedeceu e olhou para baixo, se esforçando para ver as grossas rodas de borracha da motocicleta. Ele observava que a extremidade inferior estava amassada, como se ela estivesse em contato com o chão duro e resistente de uma estrada de concreto, aquilo impressionou Caliel, era como se o ar que rondava as rodas tivesse se solidificando, foi só então que ele percebeu que os discos de ar estavam nas rodas da motocicleta, era como se eles fizessem parte dela. Estonteado Caliel comentou:

_ Isso é incrível, como você fez isso? – E teve como resposta um curto e grosso:

_ Espere! Vou te explicar tudo chegando na mansão, aliás é logo ali na frente, o senhor não está com fome?

_ Morrendo. Eu poderia até comer um javali inteiro...

_ Se é o que o senhor deseja, assim será, mais alguma preferência?

_ Você realmente leva tudo que eu falo a sério não é Illik? Mas você é um cara bacana.

_ Fico lisonjeado senhor. – E antes que Illik pudesse continuar agradecendo uma coisa negra apontou no céu azul, logo á frente no horizonte, era como uma lança furando os céus. Antes era só um borrão no longe do horizonte, mais a frente ele percebeu que se tratava de uma flâmula. Vermelha, tinha em seu centro a ilustração de um leão circundado por um grande número de felinos, todos tecidos em dourado.

De longe Caliel imaginou que as dimensões da flâmula não passassem de alguns centímetros, mas com o aumento da proximidade elas foram se expandindo, até atingir cerca de dez metros de comprimento, por dois de altura. Foi só nessa hora que ele tomou conta da altura que estavam do solo, não o tinha percebido antes devido ao fato de as nuvens tamparem a vista do chão todo. Mas ao saírem daquele conglomerado celeste Caliel pode observar o imenso castelo.

As muralhas imensas de pedregulhos maciços e escuros deviam medir cerca de 30 metros de altura, era imensa e resistente. No topo havia uma longa passarela, onde deveriam se agrupar os observadores e guardas durante uma batalha ou ronda, tinha uma largura que abrigava cinco soldados em pé, um ao lado do outro. De acordo com que descia a espessura da muralha aumentava, desde a inicial de 5 metros, até a base que tinha 15 metros de espessura.

Um grande lago circundava a porção leste do imenso território, tão longo que nem olhando ali de cima Caliel podia ver tudo. A imensa floresta de araucárias tomava o espaço de, segundo Illik, 700 mil metros quadrados, que ficavam perto da lagoa povoada por patos e peixes. Mas tudo isso, toda essa vegetação, do imenso território não era nada perto das construções.

Caliel queria saber o que era cada um daqueles prédios, alguns tinham chaminés que estavam constantemente sendo usadas, outros tinham pessoas entrando e saindo, aquilo tudo se assemelhava a uma cidade. Illik disse que apresentava todas as construções para Caliel logo após vesti-lo, alimentá-lo e dar-lhe um belo banho.

Se passou mais algum tempo de vôo tranqüilo por planícies, plantações, pomares, animais, e quando o sol apontou meio dia eles podiam avistar um palacete centralizado, formava um tipo de “U”, com duas alas laterais e a entrada principal no meio. Um belo jardim bem cuidado de Camélias Vermelhas dava um aspecto requintado à fachada. Uma fonte de água coberta por um chafariz decorava tal jardim, havia um caminho de pedras brancas e ao longo dele havia um grande número de pessoas enfileiradas, Caliel não as conseguia ver direito devido a altitude.

Enquanto Caliel olhava para baixo Illik começou a frear a moto e virando o rosto de lado disse a Caliel:

_Segure firme, vamos descer... – E com uma guinada Illik puxou a motocicleta, caindo em parafuso, tal coisa fez Caliel se contorcer de desespero, chegando próximo ao chão Illik puxou o guidão, e as lâminas de ar se expandiram formando bolsões de ar assim que Illik bateu as palmas das mãos, como antes.

Finalmente no chão Caliel caiu de lado ao tentar se apoiar sobre seus pés, o vazio em seu estômago combinado com tudo aquilo lhe tirou as forças. Imediatamente Illik saiu da moto e veio em encontro a ele, que sentiu suas pálpebras pesadas e caiu desmaiado no colo do homem baixinho.

Passaram-se algumas horas enquanto Caliel estava desmaiado, ele não pensava em nada especial em sua cabeça, só estava com muita fome. De repente sentiu algo como um metal vindo de encontro a sua boca, estava quente, ele simplesmente abriu a boca e deixou entrar. Tinha gosto de galinha, era algo como uma sopa, Caliel nunca tinha experimentado nada tão gostoso, abrindo os olhos devagar ele se encontrou em uma cama muito grande, de lençóis branquíssimos.

Uma senhora de uns 55 anos estava sentada na beirada lhe dando a comida deliciosa.

Ele tentou se sentar, mais ela pôs a mão delicadamente em seu peito, o impedindo, ele obedeceu, por que ela passava uma ternura quase angelical. Não trocou uma palavra com a senhora enquanto ela o alimentava, e limpava os cantos de sua boca quando escorria um pouco da comida. Assim que acabou, a senhora se levantou, recolheu todos os pratos, revelando atrás de si um imenso quarto, decorado inteiramente por madeira com móveis requintados de detalhes complexos, a iluminação era baixa.

A senhora se levantou com tudo e se retirou fazendo uma reverência, logo após sua saída o homenzinho entrou, fazendo com que Caliel se sentisse tentado a perguntar:

_Quem era ela? – Indagou ele, com a voz ainda um pouco rouca.

_Ela é sua criada, você se descuidou se levantando daquela maneira, a viagem é muito pesada para um iniciante, além disso, você estava com muita fome, e alguns ferimentos, mas já cuidamos de você. Assim que você quiser pode tomar seu banho, o banquete já está sendo finalizado.

_Banho? Mais onde eu estou? Quem são aquelas pessoas? Porque estão me tratando assim?

_ Como eu disse para o senhor, todos são seus criados, e estão felizes em servir o senhor, estão quase em êxtase por finalmente poderem servir o senhor deles, além disso, você está deplorável. O banheiro é no fundo do quarto – Disse ele apontando para uma porta logo a frente – Lá está tudo que o senhor precisa, e tudo já está preparado, as toalhas ficam ao lado da porta, e as roupas serão colocadas ali assim que forem trazidas, relaxe por um momento e tome um belo banho senhor. O senhor agüenta sozinho? Ou quer que eu chame as criadas para ajudá-lo?Nem todas são tão velhas como a que lhe alimentou. – Tal frase fez Caliel ficar confuso, demonstrando em sua face, fazendo Illik se explicar:

_ Mas elas vivem para servi-lo senhor, e até tem umas bem bonitinhas. É só dizer que providenciarei um harém se desejar.

_ Harém?

_ Sim oras, alguns nobres preferem tomar banho se “divertindo” com suas criadas.

_ Divertindo como oras?

_ Ahh você sabe... Mulheres peladas, homens pelados...

_ Porque eles estariam pelados? E o que acontece depois?

_ Ora, porque ele está no banho, e elas o acompanhando, aí enquanto isso, ele pode passar a mão nelas, beijar o corpo delas, LAMBER O PÉ DELAS... - Nesse instante Caliel se assustou com os olhos esbugalhados do homenzinho, e ousou perguntar:

_ Eu sei que pode parecer meio estranho perguntar isso, mas...

_ Pergunte, é natural, considerando sua idade e a amnésia.

_ Bem... Como é... Um banho? – Caliel falou com as bochechas vermelhas em brasa, e o homenzinho não ajudou, começando a gargalhar no lugar em que estava, apoiando na beirada da cama.

_ Hahahahaha, eu sabia que haveriam coisas assim, mais não pensei que sua amnésia fosse tão potente senhor... Hahahahaha, desculpa pelas risadas, mais não pude conter. Bem, creio que serão longos 2 meses até o início das aulas. Deixe-me explicá-lo, o banho consiste em se sentar na banheira, é um objeto grande de porcelana branca cheio d’água, nele o senhor vai encontrar ao lado alguns sabonetes, que são como tijolos, o senhor os passa no corpo, para limpar todas as sujeiras, logo após o senhor executar esse ritual pelo corpo todo, o senhor pode relaxar, e sair quando achar necessário, pegando os pedaços de tecidos brancos e passando-os no corpo para se secar.

_ Desculpe pela pergunta infantil... – respondeu Caliel

_ Não há problema, eu só achei engraçado, mil perdões senhor... Mas se tiver algum problema é só gritar, aliás, acho bom o senhor tomar um belo banho, o senhor está um pouco sujo. – Só nessa hora que Ambos olharam para o estado de Caliel, um garoto que se molhava somente com a água da chuva quando tinha sorte, e nunca havia tomado um banho decente em sua vida. Ele estava imundo.

_ Bem, então vou tentar... Obrigado por tudo Illik.

_ Não há de quê senhor. – Assim Illik se retirou do quarto, e Caliel foi calmamente entrando no banheiro com certa cautela, como se fosse um lugar amaldiçoado, e assim que a porta acabou de se abrir Caliel simplesmente congelou.

Era uma sala ampla, toda branca, impecavelmente limpa, o chão até refletia os objetos nele contidos. Dentre estes estavam a banheira de porcelana branca, como Illik tinha descrito, um vaso de bojo quadrado, e uma pia que se assemelhava a uma grande fonte, com água saindo pelas bocas de leões esculpidos nas paredes. Mas o que mais impressionava era a banheira, Illik a havia descrito corretamente, mas não suas dimensões. Tratava-se de uma banheira imensa, poderia tranquilamente abrigar várias pessoas. Caliel ficou intrigado com o fato de tudo ser exagerado naquele lugar, ainda mais para ele que sempre teve tão pouco.

Sem saber o porquê ele sentiu uma vontade tremenda de entrar ali, a fumaça saia de leve, demonstrando que a água provavelmente deveria estar morna e agradável. Tratou de ir tirando logo as roupas, que se rasgaram devido ao modo com que as tirara, ele não preocupava mais... Foi entrando e quando sentiu a água morna em seus pés quase entrou em êxtase, pôs logo todo o corpo e andou de um lado para o outro dentro daquela grande banheira que atingia-o até o peito.

De repente lhe subiu um tipo de alegria, um vigor, e ele começou a dar saltos de alegria...
Aquilo realmente estava acontecendo com ele! Ele fez tudo direitinho, demorou cerca de 3 horas no banho para tirar toda a sujeira, saindo de lá totalmente mudado.

Antes, devido a toda a sujeira que se acumulava nele, qualquer um diria que ele era moreno ou mouro. Mas depois do banho ele podia realmente se ver no grande espelho. Ele se assustou, aquele era realmente ele? Uma pele lisa e macia, com uma tonalidade de avelã, os olhos dele eram castanho-claros, com as pupilas quase felinas, sua feição era quase raivosa, com seus olhos semicerrados e sobrancelhas fortes e densas. Cabelos pretos, longos devido ao tempo que não os cortava, batiam no final da nuca, sua testa ficava coberta somente dos lados pelo cabelo. Ele era alto, cerca de 1.78, tinha um corpo magro, porém, não raquítico. Se vestido direito, realmente seria comparado a um membro da nobreza.

Fitou com o canto dos olhos as roupas que se encontravam na cama, as pegou e achou incrível a maciez e o tecido. Era uma calça de tecido largo, de cor marrom escura, como uma calça social. E uma camisa de linho bem tecida, com um brasão no peito, de cor branca e muito limpa. Caliel se sentia sem um peso nas costas usando aquelas roupas, parecia que ele tinha finalmente deixado aquela vida de sofrimento que ele tinha se acostumado para trás.

Sentindo-se renascido ele se apresentou no corredor, e viu duas moças de uns 19 anos vestidas em roupas de camareiras no fim do corredor, saindo de outro quarto. Elas pararam e juntaram as mãos quando o viram, e olharam para ele com o canto dos olhos. Mas não era um olhar de desdém que Caliel sempre estava acostumado, era um olhar de desejo, elas o achavam bonito. Tal sensação nunca foi experimentada por Caliel, ele se sentia realmente bem, ao passar por elas ele deu um sorriso de lado, e uma delas, a mais bonita suspirou de vergonha. Isso instigou ele a chegar mais perto do rosto dela, e foi percebendo que as bochechas lisas dela ficavam cada vez mais vermelhas.

De repente uma mão as puxou para dentro de um quarto, acabando com a curiosidade de Caliel. Mais a frente estava Illik encostado na parede jogando uma bolinha para o alto e a pegando novamente, e assim que Caliel se aproximou ele disse com uma cara de espanto:

_ Nossa! Bem diferente senhor, agora sim o senhor está digno da sua posição, é bom o banho não é?

_ Maravilhoso, me sinto renovado. E o que já disse antes, mas queria repetir novamente...

_ Deixe os agradecimentos para outra hora, primeiro vamos comer, o senhor deve estar morrendo de fome. – Nesse momento a barriga de Caliel confirmou soltando um ronco estridente, levando os dois a darem risadas da situação. Illik guiou Caliel até o andar de baixo, passando por diversas mobílias e adereços, como vasos de porcelana e quadros requintados, Caliel jamais se imaginou num lugar daqueles.

Chegando no andar de baixo, se dirigiram a uma grande porta de madeira maciça, dois criados se encontravam um em cada lado da porta, e assim que Illik balançou a cabeça eles abriram, cada um uma das portas, revelando a longa sala de jantar. Uma mesa de mogno bastante detalhada regia a sala, com espaço suficiente para abrigar confortavelmente dezenas de pessoas, com castiçais dourados iluminando, e uma toalha de mesa branca marcavam um lugar no centro da mesa. Illik apontou e disse para ele se sentar, e obedecendo se dirigiu até a cadeira, que foi puxada por um senhor que gentilmente abriu um sorriso no rosto.

Caliel se sentou e ficou com vergonha, só naquela hora ele pode perceber que haviam cerca de 10 criados na sala, somente olhando para ele. Illik se sentou na cadeira em sua frente de um modo despojado, e batendo palmas com as mãos gritou:

_ Podem começar com o banquete, o mestre está com fome. – Imediatamente saíram por uma porta no fundo da sala um grupo de pessoas, primeiro mulheres, com aventais vermelhos por cima de seus uniformes pretos e brancos. Elas traziam um tipo de bacia metálica e a puseram na frente de Caliel, que imediatamente cheirou e sentiu um aroma agradável, a pegou por cada lado e estava dirigindo à sua boca, como se fosse bebê-la, causando um alvoroço, o qual Illik pulou por cima da mesa e segurou a bacia dizendo assustado:

_ Senhor, isto é uma lavanda, é para lavar as mãos, não para beber. – Tal interrupção fez Caliel ficar com as bochechas vermelhas de vergonha ao dizer:

_ Desculpe, eu me senti atraído pelo aroma e senti uma vontade de beber.

_ Isso é normal considerando que a senhora Gullack que preparou a lavanda, mas se contenha, só lave suas mãos, todos os germes e micróbios nocivos serão atordoados. – Então Caliel obedeceu Illik, que cada vez mais falava com naturalidade com ele, isso o agradava, parecia que eram amigos. Depois de lavar as mãos uma das criadas que estava ao seu lado lhe estendeu uma toalha de mão, e ele secou ambas.

_ Já estamos preparados, pode vir o couver. – Batendo palmas novamente Illik fez com que as empregadas que estavam na sala saíssem e entrasse um novo número pela porta. Caliel imaginou quantos empregados haviam ali só para servi-los.

Entraram com bandejas prateadas e tampas semi-esféricas sob elas. As puseram na mesa e tiraram as tampas, revelando um pão cheiroso de tamanho grande, uma faca de prata, e algo em uma vasilha. Era preto e parecia uma pasta, que levou Caliel a perguntar:

_ O que é isto na vasilha?

_ Eu achava que o senhor perguntaria, isto é chamado de Caviar, o senhor parte um pedaço do pão e passa isto nele.

_ Ah! Obrigado, vou experimentar! – Então experimentou um pedaço grande de pão, ainda quentinho com Caviar, levando seu palato ao êxtase. Aquilo era muito bom, tanto que Caliel o devorou quase completamente em questão de segundos. Após acabar, perguntou a Illik:

_ Nossa! Isso é muito bom! O que é realmente isso?

_ Ah! O caviar é um alimento e iguaria de luxo, consistindo em ovas de esturjão não-fertilizadas salgadas.

_ Hãn? – Perguntou Caliel confuso.

_ São ovos de peixe frescos!

_ Ahh! Ovos de peixe frescos... É claro... Espera! Ovos de peixe? – Tal confirmação por meio de um aceno com a cabeça de Illik fez o estômago de Caliel rosnar, assim como quando ele comia alface estragada nos lixos.

_ Por que você não me disse isso antes?

_ Senhor, segundo você mesmo o senhor comia comida do lixo... Além do mais Caviar é uma iguaria muito cotada e rara, por que a repugna?

_ Por que eu como do lixo por questões de necessidade, e mesmo assim não gosto de comer algo que eu não saiba... Porque não me avisou antes?

_ Senhor, se for pensar assim, o senhor não comerá nada além de trigo e capim! O senhor deseja que retirem o caviar?

_Claro que não... Isso é muito gostoso, só não gosto de não saber a origem do que estou comendo. – Disse Caliel colocando o que ainda restava de caviar na boca e engolindo como uma hiena selvagem.

_ Vamos passar para as sopas então! – Disse Illik já mandando os empregados entrarem, mas foi interrompido por Caliel que dizia:

_ Ahh! Chega de entradas estranhas, vamos logo para a comida, estou morrendo de fome! – Tal interrupção fez todos no recinto arregalarem os olhos, até aquele momento Caliel não teve nenhuma atitude decidida como aquela, estava até educado demais para um morador de rua.

_ Se é o que o mestre deseja, tragam logo o prato principal! – E com uma pequena confusão na porta da cozinha uma imensa bandeja foi carregada por oito criados até a mesa, que ao retirarem a tampa revelaram um gordo javali, com uma maçã na boca. Caliel arregalou os olhos e
exclamou:

_ Quantas pessoas irão comer junto conosco?

_ Bem o prato é só para o senhor, mestre! O senhor disse que queria um javali inteiro, então mandei abater um para o senhor.

_ Illik, eu lhe disse que era brincadeira! Meu deus do céu! Não agüentarei comer nem um décimo deste animal, venham então, chame todos os empregados, vamos todos comer juntos.

_ Tem certeza senhor? Eles comem as sobras depois do almoço.

_ Não. Me sentirei mal comendo isso tudo e eles comendo as sobras, por favor, chame a todos.

_ Se é o seu desejo. – Então ele se virou para uma das empregadas e balançou a cabeça, ela imediatamente chamou a todos, e cerca de 30 serviçais entraram pela porta e ficaram de pé na parede inferior da sala.

_ Venham, sentem-se todos, eu quero que todos desfrutem deste delicioso banquete.

_ Mas senhor, não devemos, ficaremos aqui. – Disse a senhora que o alimentou mais cedo.

_ Não tem problema, eu não vou conseguir comer isto tudo sozinho, aliás de que eu quero muito conhecer a todos vocês e agradecê-los.

_ Seu agradecimento é desfrutar do banquete – Inferiu Illik.

_ Mas não é essa a minha vontade, eu me sentiria mal. Por favor, todos venham? – Disse Caliel com um tom um pouco mais agressivo, devido a falta de paciência.

_ Não senhor...

_ Ahh Chega! Venham todos logo, considerem isto como uma ordem então, eu estou com fome e vocês ficam ai neste “vou não vou”?

_ Senhor, já estão todos sentados, agora quer que retiremos o primeiro pedaço para o senhor? – Disse o Chef, surpreso como todos ali presentes com a atitude de Caliel, que trataram todos de se sentarem logo.

_ Não precisa! – Disse Caliel arrancando com as mãos uma das gordas coxas do animal e a devorando como uma pequena coxa de galinha. Todos os empregados ficaram atordoados, por toda aquela situação. Então de repente Caliel abriu os olhos e examinou ao seu redor, viu que ninguém havia começado a comer. E com a boca ainda cheia de carne ele disse com a voz alta:

_ Vamos logo senhores, está muito gostoso. Não quero comer sozinho. Aliás, não tem alguma bebida? – Disse Caliel, e ele não sabia de onde vinha toda aquela atitude, afinal nunca teve o que escolher. Parecia que o personagem realmente estava sendo adotado por seu corpo, quase como se ele quisesse ser daquele jeito.

_ Sim senhor, irei buscar – Disse Illik se levantando, mas a mão de Caliel o agarrou pela gravata antes que pudesse se levantar totalmente.

_ Illik, sente-se e aproveite a refeição, eu mesmo pego, onde fica?

_ Mas senhor...

_ Não discuta! Onde fica?

_ Fica no corredor da cozinha, na primeira porta a esquerda. – Disse uma garota de uns 23 anos, loira, bonita, aliás, todas as mulheres daquele lugar pareciam ser extremamente bonitas. Mas o que realmente importa é que ela prendeu a atenção de Caliel com aquele olhar firme dela, como se estivesse decidida do que estava falando. Com uma mesura ele disse:

_ Muito obrigado! Volto já. – Então se levantou e dirigiu até a cozinha. Chegando lá ele viu um lugar totalmente organizado, nem parecia que acabara de ter sido usado, e se encaminhou para a porta, ainda intrigado de onde vinham àquelas palavras que saiam de sua boca, e por que estava com aquela atitude.

Chegando a tal porta descrita pela moça ele abriu a maçaneta, e empurrou a porta, que rangeu um pouco ao ser aberta. E assim que pôs os pés dentro da sala ele percebeu que ela era mais fria que as outras, ela estava escura, e ele procurava um modo de iluminá-la, e viu ao lado da porta um interruptor, apertou o botão, assim como fazia na biblioteca pública os dias que dormia no sótão.

Desceu as escadas e encontrou vários barris, e mais ao fundo garrafas de vinhos, todos datados e organizados desta maneira. Como um leigo Caliel pegou cinco garrafas mais próximas e voltou á sala de jantar. Ao chegar se enfureceu ao observar todos olhando fixamente para ele, sem nem ter ao menos tocado na comida.

_ O que havia de errado com aquela gente? – Pensou Caliel consigo mesmo. E em um movimento súbito ele abriu a garrafa com custo e encheu um copo, o levantou e disse:

_ Porque não começaram a comer ainda?

_ Senhor, por isso eu disse que era uma má idéia, todos eles tem prazer em servir ao senhor, mas não é usual os servos comerem com o senhor deles. Eles não sabem como se portar.

_ Então eu proponho o seguinte, eu desejo que todos aqui presentes comam e bebam, festejem comigo, pois eu estou muito feliz de estar aqui. Mas não quero somente ser o senhor de vocês quero ser amigo, quero ser companheiro, por isso tratem como uma ordem! Que vocês se divirtam! – Ao dizer isso Caliel bebeu com um só gole a taça inteira de vinho, buscando aprovação ao redor ninguém reagia, mas para sua surpresa Illik se levantou da cadeira, pegou um pedaço de carne o levantou e disse:

_ Vamos comer! Se o nosso mestre ordena o faremos! – E festejando comeu a carne com gosto, fazendo com que os companheiros fizessem o mesmo! Alguns entraram na cozinha, e voltaram trazendo mais carne e vinho. Outros buscaram pão e algumas frutas, enchendo rapidamente a mesa. Um grupo de mulheres trouxe uma caixa, e dela começou a sair música. Elas rasgaram as barras de seus vestidos e começaram a dançar. Caliel gostava muito daquilo, e não parou de comer. Conversou com todos ali na mesa, mas a única coisa que o intrigava era: de onde vinha toda aquela atitude, ele não sabia aquelas coisas todas, muito menos como persuadir tantas pessoas a fazer o que ele queria. Illik olhou para ele sorrindo e disse:

_ O senhor sabe mesmo como contagiar os outros, digno de um membro da família Boncheümmer.

E a comemoração se estendeu até as 15:00 hrs, acabando com um empregado dormindo em cima do lustre, e duas servas procurando suas roupas na confusão. Antes que começasse todo esse alvoroço Illik levou Caliel até a varanda do andar de cima, onde o deitou na cadeira e ficou ao seu lado esperando ele acordar.

Depois de 20 minutos de sono causado pela bebida e comida em excesso, ele abriu os olhos devagar e viu primeiro as folhas da bananeira do lado de fora, e Illik ao seu lado, observando a paisagem daquela tarde nublada.

_ Onde eu estou? – Perguntou Caliel percebendo que sua cabeça doía muito quando ele falava algo.

_ Eu te trouxe para a varanda de seu quarto, assim que o senhor tentou alcançar o lustre com os dentes, em um acesso de loucura causada pela bebida. Aí o senhor caiu e bateu a cabeça.

_ Causei uma má impressão?

_ O senhor não precisa causar impressão nenhuma, além de todos estarem bêbados o senhor causou uma ótima impressão. Geralmente os nobres nem se dirigem aos criados como seres humanos, e o senhor senta com eles, e divide sua comida e bebida. Parece com seu pai. – Nesse momento Caliel parou de pensar em sua dor de cabeça e voltou toda sua atenção para o baixinho, dizendo:

_ Meu pai? Eu não o conheci – Caliel quase se esqueceu que o estavam confundindo, mas Illik agravou:

_ Exatamente, ele disse que quando chegasse esse momento, eu deveria mostrar-lhe aquilo... – E o homenzinho se levantou e entrou na mansão pela porta da varanda, chamando Caliel a segui-lo.

Após um tempo de caminhada por corredores escuros e apertados, descendo três escadarias eles se depararam com uma porta velha de madeira negra. O estranho era a ausência de maçaneta ou fechadura, só havia uma boca de dragão aberta esculpida em metal na parede lateral. Caliel não via motivo para aquilo, e naquele corredor não havia nada além daquela porta. Intrigado ele disse:

_ Que perda de tempo Illik, você me traz para um beco sem saída com uma porta que não pode ser aberta. – Então o serviçal parou na frente dele, e com o mesmo sorriso de quando estavam na casa de Gondolous ele disse, batendo as mãos:

_ Technik des Impulses - Mund des Drachen – Logo após isso ele pôs a palma de uma das mãos no peito, e puxou uma quantidade incrível de ar para os pulmões e fechou a boca. Depois ele pôs uma perna mais atrás e, colocando a outra mão aberta do lado da boca ele soprou todo aquele ar. Só que ao invés de sair ar, ele estava cuspindo fogo e esquentando a cabeça do Dragão até ficar laranja de tão incandescente. Caliel piscava consecutivamente, afinal aquilo não era algo possível, até que por fim Illik parou de cuspir aquele fogo amarelado repleto de labaredas rebeldes.

Um momento de silêncio pairou no ar, e com ele, a vontade de Caliel perguntar o que era aquilo. Mas foram interrompidos por uma série de estalos que foram seguidos do destravamento da porta.

Só então Caliel percebeu o quão resistente a porta era, sua espessura era de 70 cm, era maciça e revestida de metal, apesar de sua estrutura ser de madeira. Illik se precipitou entrando na sala, e chamando Caliel com aquela atitude cotidiana de autoritarismo irritante. Caliel nem hesitou mais, ele estava curioso, sedento por saber como aquilo aconteceu.

Passando pela porta ele se deparou com um cômodo muito alto, de formato circular. As paredes estavam completamente cobertas por livros em estantes. Um belo lustre de cristal iluminava a sala. Caliel estava cada vez mais impressionado, tanto que só pode olhar para frente após reparar em todos os afrescos do teto do salão. Foi seduzido por um livro no centro do mesmo, estava em cima de um pedestal ornamentado por pedras preciosas, a capa era de couro, e as páginas de papiro. Era todo escrito à mão, e Caliel reconhecia a língua, o alemão.

Illik precipitou-se novamente:

_ É lindo não? A Biblioteca Oculta dos Boncheümmer, séculos de conhecimento, especialista ou não. Todos os maiores segredos e técnicas estão nessas paredes.

_ E este livro? Porque está separado dos outros? E como você abriu aquela porta daquele modo? – Indagou Caliel demonstrando suas curiosidades.

_ Este é o Füher , o livro guia das 4 famílias puras e de toda nossa nação. Ele fica separado pois é a versão escrita pelo próprio Yuseff.

_ Quem é este Yuseff?

_ Ele é o pai de nossa família. O grande mestre dos pulsos, todo seu conhecimento está nesse livro, muitos matariam somente para poder olhar a capa. E agora ele é seu. – Só então Caliel percebeu que Illik mantinha distância do livro, e também percebeu no fundo da sala um sofá com aspecto confortável, de couro marrom, seguindo a coloração do salão.

O serviçal se dirigiu até o sofá chamando por Caliel, que se sentou relaxando, afinal ele havia recentemente comido e bebido até desmaiar, e ainda caminhou aquele tanto para chegar ali. Illik tomou a iniciativa:

_ Bem acho que lhe devo algumas explicações certo? Então vou começar contando um pouco sobre nós...

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